sexta-feira, 19 de novembro de 2010

PERDA DE TEMPO

O gosto da cerveja desce junto com o gelo pela minha garganta, penetra em minha sensibilidade, aflora meus sonhos, entorpecido paro e penso na vida, ela não merece tanto exagero, me lembro do meu dia de serviço, aquele senhor sem camisa, pele enrugada e rosto alegre, ele acha graça dessa desgraça, dessa existência sem lógica, eu admiro esse homem, bebo mais um gole da cerveja, ele acha sentido na vida, provavelmente é cristão, idolatra o perdão e a penitência, acha que irá para um paraíso, amém. Escrever coisas simples e sem muito atrativo talvez seja perda de tempo, duvidar, refletir, cantar, gozar, talvez viver seja perda de tempo, mas parar de perder tempo seria a morte, o fim, isso não corresponde aos meus anseios, não sou um arauto da felicidade, porém não sou tão pessimista assim, acredito no realismo, as possibilidades, morrer não é a saída, viver é ter coragem, vou pensando nisso no embalo das músicas de Piazzola, seu tango mescla o romantismo, a dor, a flor, o encanto, a beleza, a melancolia da existência, respirar já é um sacrifício, sonhar e ter que acordar é mais difícil ainda, aquele senhor sem camisa e de pele enrugada parece não se preocupar com isso, para ele não deve ser perda de tempo escrever, ele não escreve, ele vive, eu vivo, escrevo e perdo tempo, tempo perdido, vida ganha, exagero a parte, sou mais um andando na contramão, fruto do pecado em um mundo sem religião, ganho mais um dia de vida, isso não é motivo para ter esperanças, tempo, pausa para reflexão.

Brega, atômico, envolvente, sacana, a música é um movimento em torno da alma humana, um mergulho no âmago desse ser que ama, duvida, trabalha, chora, reclama, sorri e espanca a saudade em seu coração em guerra, em paz, contemplação, ação, contradição, é perda de tempo pensar sobre isso, escrever é mais uma desculpa para a falta de tempo nesse mundo caótico, sem vergonha, violento, romântico, abro as portas da consciência e deixo a desmotivação passar junto da alegria de viver, cores fortes ao encontro do preto e branco, o cinza brilha no céu ao lado de estrelas de fogo, o raio que desce em dias de chuva cai duas vezes no mesmo lugar, rotina, mas há motivos para perder mais tempo nesse mundo, continuar vivendo até a morte nos pegar nessa sala de espera que é a vida, contagem regressiva para o fim, aproveita-se o momento, perde-se tempo com esse existir violento e em paz reflito com calma sobre esse caminhar sobre a terra, o tempo passa, eu o vejo pela janela, é perda de tempo escrever sobre isso, vou perdendo tempo, viver é uma perda de tempo constante, vou dar um ponto final nesse texto e arrumar mais tempo para escrever outro.

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