sexta-feira, 21 de novembro de 2014

LIBERDADE, DETERMINISMO E O NEGRO



A dura ética da responsabilidade é algo indigesto, constrangedor e difícil de assimilar, ser responsável pelo próprio destino vai contra a visão mais mística, religiosa e mitológica onde o ser humana é colocado nas teias do destino, nas mãos dos deuses ou na vontade divina de um ser sem nome, origem e que está presente em todas as partes com sua onisciência. Ser responsável pela própria vida é algo ainda difícil de aceitar, é mais fácil sermos produtos do meio, da história, da natureza, sermos forjados pela biologia e pela geografia, mas sermos responsáveis pelos caminhos que escolhemos ainda é uma blasfêmia para nós mesmos.
Querer justificar tudo pela liberdade é as vezes indecente, esquecer as malhas, os correntes, os obstáculos construídos historicamente é no mínimo leviano, achar que somos responsáveis por nossos atos e se esquecer do peso social, histórico e até da natureza é condenar milhares de pessoas que tiveram suas vidas condicionados pela miséria, falta de oportunidades aos estereótipos conservadores da falta de vontade, preguiça e inferioridade. Achar que o indivíduo por si só pode vencer sozinho toda uma estrutura anterior ao próprio indivíduo e que o transcende é ser a favor apenas do êxito das elites e achar que a massa de pobres, negros e demais excluídos são culpados por suas próprias misérias.
Conciliar a ideia da liberdade existencialista com a condição de materialista de condicionamento sócio econômico e histórico não é um mero juntar de peças, dos dois lados há extremismos, há os que acham que somente sendo livres somos capazes de tudo e outros acham que as estruturas nos amarram e nos sufocam sem deixar espaço para ações livres, nos dois lados também há os que tem bom senso, porém chegar a um meio termo é uma subida áspera por um morro íngreme.
Nesse mês de novembro tivemos mais um dia de comemoração(ou seria de reflexão?) Sobre a questão negra, chamado dia da consciência negra, é durante dias assim que vemos debates nas redes sociais sobre racismo aflorarem e tomarem dimensões de guerras verbais ácidas, mortíferas e de teor apaixonadas, dentro dessa perspectivas vem a tona debates em torno da questão de cotas, da situação de miséria e pobreza da maioria da população negra, da visão da mídia e da sociedade em geral sobre o papel do negro na vida social, com isso aflora questões relacionadas aos dois parágrafos que iniciaram esse texto, seria o negro livre para fugir de sua situação condicionada historicamente ou seria ele prisioneiro dessa estrutura determinada pelos seu nascimento?
Tenho mais perguntas do que resposta, até por que cada resposta é uma nova pergunta, abre para uma nova dúvida, assim é a dialética do hermenêutica, sempre nos levando a novos questionamentos que trazem novos diálogos com o texto, contexto e com os autores da vida, mas voltando a questão aqui que colocada posso dizer que somos livres e responsáveis por nosso atos, a dura ética da responsabilidade nos joga na cara a responsabilidade por nossas ações e escolhas, viver é deliberar, entretanto deliberamos dentro de um mundo cheio de outras deliberações, com uma estrutura, condicionamento econômico, social, um mundo imerso a uma cultura e limitado pela contingencia, logo somos livres para escolher, mas escolher dentro de certas possibilidades dentro da realidade de cada pessoa. Outra questão que é essencial, escolher não é desejo, você pode desejar mil coisas, mas suas escolhas a levaram a caminhos que você as vezes não desejou, mas era uma das opções que tinha para deliberar, deliberamos em cima das opções que temos e não dos sonhos que nos fazem delirar.
Se somos livres e responsáveis por nossas escolhas então não podemos condenar a economia, o fato de termos nascidos negros, pobres e em um mundo conservador? Ser livre é ser lançado no mundo, é ser no mundo, mas condicionado por esse mundo, logo somos limitadas pelas opções, pela condicionante histórica, material, sem extremismos marxistas e positivistas. Um negro que nasça em uma família pobre, em uma favela ou periferia, com pais analfabetos não terá um número grande de opções na vida, será jogado em um mundo onde será mais “fácil’ ele ser um trabalhador braçal sem estudos ou um marginal, traficante, ladrão ou algo parecido, como também terá opção de vencer todos esses obstáculos e poder estudar, ter um emprego digno, ser honesto. Isso não é determinismo, nem de um lado, nem de outro, apenas é a contingencia da vida, somos livres dentro de determinados contextos, não somos gênios para burlar nossa vida, a história e nem joguetes na mão do destino, somos seres humanos prontos para deliberar e escolhermos lançados no mundo que é nossa morada e nosso interior, agora, isso nos leva a outras questões, como a da pobreza da maioria dos negros, que mesmo com sua liberdade, mesmo com o poder de deliberar ainda continuam dentro desse quadro de exclusão, isso é explicado e compreendido pela história, pelas relações sociais e econômicas que dificultam a saída, mesmo deliberada, da maioria dos negros dessa condição.
Somos todos livres para escolhermos nossas vidas, mesmo sendo escolhidos pelo mundo, logo somos livres para lutarmos para ampliar as opções de escolha da maioria das pessoas, para que essas não fiquem presas a escolhas medíocres, limitadas ao extremo, o negro não é vilão e nem é um coitado que deve ser objeto de pena, é um ser humano LIVRE em um mundo desigual, cheio de miséria e dificuldade e cheio de oportunidades para poucos e poucas oportunidades para a maioria.   Continuam as dúvidas e questionamentos até o infinito e de volta ao finito que é o ser humano.