terça-feira, 20 de novembro de 2018

O policial intelectual é inútil


O intelectual é inútil num mundo utilitário, a visão a longo prazo é desprezada quando o que é rentável é a perspectiva a curto prazo, imediatista. O conhecimento é inútil, para que pensar em segurança pública através de uma sociologia do controle social, para que refletir sobre filosofia e violência, se o que nos interessa é apenas investigar, prender e fazer a roda do encarceramento rodar? Para que serve entender que o lucro é fruto da exploração, do mais-valor obtido do tempo médio de trabalho, se o que interesse é produzir cada vez mais em menos tempo para dar lucro, e encher os consumidores de mercadorias?
           Não adianta falar sobre indústria cultural, se o que as pessoas querem é apenas passar o tempo com uma arte superficial e que lhe traga prazer momentâneo.
           O intelectual e o conhecimento são inúteis num mundo instrumentalizado, mercantilizado, prático e capitalista; porém, ele é ainda mais inútil em intuições como a polícia.
           O dia que não olharmos mais com uma mentalidade restrita sobre utilidade, e vermos o conhecimento e seu valor em si mesmo, quem sabe a sociedade verá com bons olhos o mundo intelectual; quiçá a polícia abraçará também o policial que mergulha nesse mar excêntrico e olha por um periscópio diferente o oceano do social e traz respostas cheias de dúvidas sobre nossa existência, sociedade e emancipação humana para além da cúpula do trovão do mundo como ele é, e não como deveria ser.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Um Domingo Maravilhoso, ou uma poética de amor e miséria dirigida por Kurossawa


Kurossawa é um diretor famoso por filmes de samurais, como sua obra prima Os Sete Samurais; porém ele tem filmes essenciais em outro gênero, o drama. Um desses filme é Um Domingo Maravilhoso de 1947. Na obra citada o diretor, que também é coautor do roteiro, narra a desventura amorosa e social de um casal de namorados, Yuzo (Isao Numasaki) e Masako (Chieko Nakakita). O jovem casal sai para um passeio de domingo, que seria algo banal e normal, mas o filme não é um conto de fadas hollywoodiano, é uma contundente e poética visão sobre o Japão após a segunda guerra mundial.  O casal que com pouco dinheiro tenta se divertir num Japão após a Segunda Guerra serve como um microcosmo sobre a tragédia, as dificuldades e a condição social do japonês na década de quarenta do século XX.
O filme começa com o amargurado e pessimista Yuzo esperando sua namorada e sonhadora Masako; uma cena chama a tenção, um pedaço de cigarro jogado no chão, que é fitado com desejo pelo jovem, já faz dias que ele não fuma devido a falta de dinheiro, já que ganha pouco.  Após a chegada de Musako começa a odisseia terrestre do casal, que com pouco dinheiro tenta aproveitar o fim de semana; é difícil se divertir com pouco dinheiro, mas o maior problema são os projetos, sonhos do casal que são colocados a prova.
A obra como um todo é uma viagem pela pobreza humana, pela melancolia de uma juventude empobrecida e de sonhos que terão de sobreviver a essa realidade difícil, dolorida que obnubila a esperança, que eclipsa o que há de mais humano em nós.
Um passeio por uma casa “modelo” é um dos martírios do casal que sonha em se casar, mas quando pensam no valor dos imóveis se desesperam, mesmo quando veem uma possibilidade de alugar um pequeno quarto, o valor é maior que seus rendimentos.
Os namorados vagueiam pelas ruas cheias de gente, numa fotografia em preto e branco olhamos suas desventuras, suas frustrações ao não conseguirem ver uma apresentação musical, ou ao não terem dinheiro suficiente para pagar lancha da tarde. Mas há momento de ternura como o passeio ao zoológico, a brincaria com as crianças jogando beisebol, e no momento áureo e máximo do filme, quando Yuzo rege uma orquestra imaginária em um anfiteatro vazio, esse é o momento mágico e utópico do filme.
O filme é bonito, forte e simples ao mesmo tempo, ele nos ganha ao mostrar a dor e sofrimento de um jovem casal com dificuldades financeiras de forma simples e profunda concomitantemente. Por um lado, vemos a amargura e ceticismo do rapaz, por outro a doçura e otimismo de uma mulher que sonha em vencer na vida e ficar ao lado de seu amado, num mundo chacoalhado pela guerra, pela indiferença, pela exploração do trabalho, e pintado com cores fortes pela miséria.
No final não temos uma grande reviravolta, tragédias que nos chocariam ou um entardecer ensolarado. No final temos o mesmo casal e a mesma situação do início do filme, mas com a esperança de dias melhores e com a possibilidade que isso se concretize.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Discursos de ódio mais quentes do que tardes de setembro.


Momento conturbado, dias antecipando eleição, pessoas brigando verbalmente, digitando freneticamente nas redes sociais, disputas pelo poder fazem com que torcidas organizadas partam para o embate em nome de candidatos, partidos, ideais.
O que mais surpreende nesse momento não é o maniqueísmo partidário, as pugnas dos eleitores enraivecidos, do sangue virtual, mas sim os discursos de ódio, que não se limitam ao político partidário e eleitoral. O ódio e a intolerância estão presentes nos mais variados temas e grupos sociais; como segurança pública, índios, homossexuais, movimento sem-terra, imigração de venezuelanos para o Brasil etc.
Hoje, em menos de uma hora, ouvi uma avalanche de comentários sobre imigração, bandidos, índios e o assassinato de homossexuais no Brasil. Todos os comentários eram raivosos, as pessoas que proferiam as palavras eram sintomas da febre que convulsiona o tecido putrefato e cheio de úlceras de nossa sociedade. As palavras eram escarros sanguinários nas faces do bom senso.
O Brasil é um dos países onde mais se matam homossexuais no mundo, mas falar isso causa indignação e pessoas já armadas com argumentos patriarcais logo falam que, “esses indivíduos não morrem somente por questões homofóbicas, tem muito usuário de drogas, o país é muito populoso, dessa feita deve morrer mais homossexuais aqui mesmo.” Independente da causa das mortes o que vemos é que a maioria não quer saber, querem apenas não pensar que isso pode ser relacionado a preconceitos, raiva e ódio, pois com isso poderíamos estar tornando os homossexuais vítimas.
O indígena é algo supérfluo em nossa sociedade, não importa se muitos estão morrendo em decorrência da expansão da agricultura mortífera, da grilagem de terras,  do capital agrícola, pois no fundo são seres  não  cristãos, pelo menos uma parte, não são “civilizados”, sem falar de sua preguiça, já que não participam da ética do trabalho capitalista. Logo, suas mortes não são contabilizadas.
E esses venezuelanos fugindo de uma ditadura de capitalismo de Estado, a dita comunista, não deveriam correr para nossas terras aumentando desemprego, violência e criminalidade, deveriam ficar em seu país flagelado, problema não é nosso. Assim pensam algumas pessoas que tive a oportunidade de ouvir recentemente.
Falar em dignidade humana, respeito e diálogo são coisas que não são coerentes com o clima escaldante que desce desse vulcão contra os seres humanos. Direitos humanos são mesmo direitos para defender marginais, pessoas baixas, vis e supérfluas? No fim não teremos mais direitos, que já são superficiais e problemáticos, imagina sem eles?
A frustração, a crise econômica e política, a falta de perspectivas; trabalhadores perdendo empregos, outros ganhando pouco e trabalhando muito. Empresário preocupados em aumentar os lucros em épocas de declínio dos mesmos; grupos reivindicando mais espaço, outros apenas morrendo e deixando o espaço livre. O Estado cada dia mais mínimo para o social, e máximo para o penal. O contexto não é nada animador, ainda mais quando ele condiciona um ambiente insalubre de ódio e intolerância que vira combustível para aumento da violência.