sábado, 28 de setembro de 2013

DILÚVIO



Andar é algo tão fascinante quanto não fazer nada, mas eu andei, percorri aquela lama com meus pés cheios de preguiça, cheios de peso, a existência tem dessas coisas e coisas não tem existência, não tem consciência da tragicidade da vida, a morte não abraça papeis jogados na lixeira, não beija pedras em sonhos, ela ceifa sorriso marotos de jovens correndo embriagados em estradas. Andar , andar sem rumo ou chegada, Forrest Gump fazia isso, sem explicação, sem perdão, eu andava também, apenas andava, amém
Um cigarro, não fumo, imaginei um em minha mão, solitariamente pensamos em coisas assim, faltava alguém para conversar, eu conversava sozinho mesmo, sou tagarela, parlar comigo mesmo é esquizofrenicamente gostoso, como chuva para lavoura. Andar, ainda caminhava enquanto pensava nas rosas, nas baleias e tudo o que não existe mais, a luta de classes devia ser grotesca, mas árvores com sombras eram melhores, vejo algo, a distância deixa minha visão perturbada, sou míope para o amor e tenho astigmatismo para a vida.

Antes de chegar perto do que me chocaria choco ideias como uma penosa ave que já existiu, brotam leguminosas e dialéticas parábolas dos ovos idealizados, explodem galáxias em minha cabeça sem sonhos, excitações ou aberrações em forma de ciência. A vida não tem um sentido a priori, um sentido em si, somos nós que criamos, mas naquele dia eu chegaria próximo de algo revelador.
Revelar é algo complicado, a verdade não é uma rocha, é uma interpretação, eu interpretei errado tudo que não era verdade, e a verdade nem interpretada foi, ela não existia, meus pés na lama, andava com receio, agora com medo, a minha frente o infortúnio, a falta e o desespero mudo, aqueles que ali estavam não podiam mais falar, eu falei com um grito, o horror contagiava meus olhos.
Chego mais perto, o horror, a náusea, a vida enterrada na lama, crianças, mulheres, homens, velhos, bebês, todos mortos afogados, corpos apodrecendo, fedendo, todos sendo devorados pelos vermes que não morriam com água, eram deliciados pela desgraça. Nunca imaginaria que voltar no tempo pudesse me levar a uma época tão bizarra e bárbara, no ano em que vivo, 3400 depois de Cristo, não existe algo tão absurdo quanto isso, todas as pessoas do planeta mortos por uma água caudalosa, fico pensando em uma obra mitológica que li quando criança que falava da ira de um Deus do oriente que mata todos , com exceção de alguns animais e de uma família humana, com água em um dilúvio, pare que encontrei os mortos daquele homicida divino, é como se tivesse entrando dentro das páginas sanguinárias daquele livro que li na infância, volto para minha época cheio de dor, nenhum deus seria capaz de matar pessoas em um dilúvio, aquilo deve ter sido obra do acaso. A natureza é fanfarrona, assim como deuses criadores de humanos cheios de pecados.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

MORTE E COCA-COLA



Aquele pão de queijo molhado dentro da boca com saliva e café descia suavemente pelo brusco esôfago do garoto, ele comia devagar e sentia a massa mergulhar em seu estômago, a fome era coisa do passado, agora a sede tomava conta de sua consciência, sua consciência-sede secava seus pensamentos, secava suas lágrimas, deve ser por isso que ele não chorava, na verdade achava graça da desgraça liquida que descia pelos olhos dos adultos naquele espaço, naquele momento, momento de passar para outro parágrafo.
Sangue, um rio de sangue desce pelas portas do elevador, a cena cinematográfica lembra o garoto que o mundo tem sangue jorrando atrás das flores dos namorados, o corpo no caixão é de um parente próximo, seus pais estão comovidos, a emoção é latente, bate dentro do corpo mais indecente, mesmo os corações mais impertinentes, o garoto não chora, apenas olha o corpo no caixão, sabe que ali não há mais aquele velho rabugento, não há mais um humano, nem um animal, apenas uma massa fria e sem vida, uma lembrança de dias rindo sentado na calçada, memórias de um ser que já amou, gozou e duvidou da felicidade, Pablo, o garoto, sentia orgulho de ser superior e não temer a morte.
Enquanto assistia o desenho Pablo se lembra do velho no caixão, seu avô, lembra que sempre imaginava seus pais mortos, deitados em um caixão, Pablo sempre achou, mesmo com cinco anos de idade, que se preparando para as desgraças da vida sua vida seria menos desgraçada, frustrada, cheia de culpas, Pablo sempre se preparou para a foice que ceifa a vida, nada é para sempre e sempre ele pensou assim.
Assim foi o dia, sem mais nem menos, a calculadora galáctica não é uma aritmética de mercado, não há lógica no caos, apenas o acaso e por acaso Pablo se lembrou de um sonho onde ele anda nu pelas ruas, envergonha tentava se esconder, sonhos são sempre estranhos, estranhamente ele se lembrou desse sonho, as vezes sonhava que estava caindo, a vida é uma queda, mas ele nunca gritou de desespero na queda da vida, olhou sempre para o buraco do abismo com um sorriso irônico, sonhos, apenas sonhos.
A criança brinca enquanto Pablo toma seu café, comendo pão de queijo seus olhos percorrem o gramado onde seu filho corre, pensar que um dia esse ser vai morrer lhe trás melancolia, ele é forte, isso não é o bastante para abalar seus espírito materialista, ele viu seus pais morrerem e não derramou uma lágrima, lágrimas são pesadas demais para suportar, nada é para sempre e sempre ele pensou assim, mas é seu filho ali correndo pelo gramado, não podia pensar tão mesquinhamente, a mente não mente quando o coração acelera, ele aguentava mesmo o peso da vida, Atlas do sertão.

A televisão brilha no canto esquerdo da sala, uma notícia abala os espectadores, dois homens matam e estupram uma criança, o sangue parece jorrar pela tela do aparelho, Pablo assiste aquilo comendo calabresa, no intervalo do telejornal uma propaganda da Coca-Cola, sabor do pecado, sua boca enche d’água, mergulha no seu íntimo e não pensa na barbárie e violência gratuita, pessoas comuns estariam chocadas com o crime noticiado, ele apenas espera uma morte sem um final shakespereano para si, ele nunca chorou em funerais, não quer que chorem no seu. Um sonho a noite abala Pablo, os estupradores estão chorando em frente a um caixão, dentro do caixão Pablo vestindo terno cinza bebe Coca-Cola enquanto espera seu enterro, ele acorda, enquanto escova os dentes chora, chora como uma criança, o sonho o lembra de um amor escondido no inconsciente, uma mulher que ele amou e foi enterrada em sua memória com sabor de refrigerante.

domingo, 14 de julho de 2013

...E MAIS NADA.



O inverno chega mais cedo aos corações acesos, aos homens sem coração, aos novembros sem noção, o inverno chega mais cedo no inferno astral, no mapa desenhado a mão nos peitos calejados, nas mãos que afagam serpentes venenosas, o inverno gela tudo que respira, rasteja, beija e almeja um lugar ao sol. No horizonte uma luz, ela se desmancha como um sonho em frente aos meus olhos cansados de tanto ver, cegos de tanta esperança, o frio gela os poros, entra pela porta e esfria a emoção, enquanto ouço o chorar de uma criança penso no estado, esse gélido monstro, penso nos descamisados, esses gélidos corpos sem alma, sem dinheiro, sem nada e nada mais penso além disso no final de tarde gélido onde a luz some e a escuridão soa com barulho silencioso ao som de uma gaita como trilha de western espaguete.
A luz agora é uma representação em minha mente, ela se confunde com a luz da lâmpada, mais uma vez a criança chora, penso nas palavras pedagógicas de Maquiavel, o mesmo que rompeu com Platão e Aristóteles e deu o ponta pé inicial da ciência política, ser amado ou ser temido, ser ou não ser, cair sem chorar no abismo, já confundi poetas e filósofos em uma ação epistemologicamente caótica agora penso que pensar é um cogito que vem depois da existência, a música estronda, vejo em minhas enrugadas ideias um cowboy em um duelo, o final de tarde é mesmo monótono.
A música parece sumir no final da avenida que cruza a curva de meus ouvidos, o choro da criança fica mais baixo, nem Marx me convence mais sobre a exploração do Estado, o frio sopra lá fora, os românticos desejos somem aqui dentro, uma revolução francesa derruba a bastilha de meus ferimentos, de meus sentimentos, não sinto mais, mais nada sinto por ela, me lembro como era verde os pastos naquele mês de chuva, naquele ano que nem me lembro mais, mas teimo em me lembrar mesmo assim, foi a última vez que a vi, foi a última vez que beijei aquela boca que vomitava palavras desenfreadamente, falava de Nietzsche como se falasse de cinema de sessão da tarde, comentava sobre arte, sobre espiritismo as avessas, ela já amou uma vez, amou loucamente assim como loucamente se agarrava a meu corpo num frenesi assimétrico e sem vergonha na hora do sexo, ela perdeu a vontade de amar depois de não ser correspondida por seu amado, ter sido deixada com um filho preenchendo seu ventre era algo desagradável, a marcha para o oeste de sua alma começou ali e desaguou num beijo solitário no vento embaixo da árvore onde fizemos amor numa tarde de novembro, logo depois ela me abandonava assim como fora abandonada um dia, um dia frio para lembrar disso, as notícias no jornal mostram jovens protestando por todo país, algumas ondas de vandalismo político, rousseana imagem, a imagem dela chupando meu membro era vertiginosa nesse fim de tarde, ela empinava suas nádegas num ato animalesco enquanto em desfrutava de seu corpo, embaixo daquela árvore onde gemeu pela última vez ela se despediu com um beijo imaginário e partiu partindo também meu coração.
Música africana, tão vago quanto falar música francesa, tocava algo no rádio do vizinho, eu fumava e via a fumaça sair pelos ares assim como saia nostalgia de meus dedos enquanto escrevia sobre Ana, ela partiu e deixou um vazio, o vazio pós-moderno faz com que nos perguntamos para onde vai a política, nosso sonhos, as utopias caíram com um muro, mas do escombros saiu uma poeira que mostrava que ainda há pelo que lutar, lutar pelo amor, assim lutei, como era belo seu rosto nas tardes de Abril, ela abriu o vestido e mostrou seu seio cheio de prazer e nele mergulhei.

O frio dá uma trégua, mas o frio de meu ser  continua, aprendi com Ana a ser gélido, não me emociono com velórios ou reportagens de pessoas passando fome, não choro com músicas sentimentais, o choro de uma criança volta a me incomodar, talvez seja o filho de Ana chorando em algum lugar, ela perdeu o bebê num ano frio, num ano em que conheceu Fábio, aquele jovem fanático em política que iria se transformar em um escritor fantasma, em um jornalista fracassado, iria se transformar em mim e em mais nada.



sexta-feira, 7 de junho de 2013

NOTÍCIAS DE JORNAIS SÃO BELAS E A SEDE SE MATA COM SANGUE.



A boca seca, a sede percorre minhas entranhas, leio algo estranho, assassinato em massa de cachorros em algum lugar do Brasil, não levanto para beber água, não levanto para gritar contra o sangue derramado. Semana passada li sobre jovens mortos em chacinas, pessoas mortas em guerras, mulheres estupradas sangrando por dentro, violentadas por fora, dilaceradas em algum lugar da alma, não levantei para beber água, a sede percorria todos meus órgãos, podia sentir a falta de água em minha consciência, o nada dadificava a seco o mundo dentro de mim, a água não molhava minha boca, os cachorros mortos boiavam em minha imaginação junto de soldados fuzilados em alguma guerra longínqua, perdida no tempo, não levantei.
O barulho no portão, cachorros latindo na rua, o som do violão ensurdecia a noite, batia no silêncio de minha solidão, eu com sede passava os olhos nas notícias, em vídeos eróticos, em fotos coloridas, o som do coração batendo não era ouvido por mim, eu me lembrava de algum beijo adolescente atrás de uma árvore, pessoas penduradas em árvores com cordas no pescoço são assustadoras, assim como é assustador se enforcar na corda da liberdade e se angustiar com decisões tomadas, a angustia dilacera o pensamento de qualquer vivente, eu espirro, a poeira em meu quarto suspende e enche meus olhos de sonhos com desertos, não levanto para beber água, me excito com fotos de mulheres nuas.
Uma música psicodélica, mais notícias, corrupção, saudosismo, gol, pessoas passando fome, governos ditatoriais, se o voto não fosse obrigatório essa massa estúpida e acéfala não votaria nessa massa verborrágica de vermes engravatados, se o mundo não girasse não seria engraçado, desgraça é uma palavra poética que combina com respirar, arames farpados, campos de concentração, pessoa esticando os braços, os cachorros mortos na notícia ainda estão lá, apodrecendo junto de comunistas e seus muros derrubados.
Pessoas ouvindo músicas sertanejas e bebendo, jogos de futebol gargalhadas, nada de discussões sobre melhorias salariais, sobre a arte após segunda guerra, nada de olhar para as nuvens e tirar frases estéticas sobre o branco mergulhado no azul, sobre o sangue e o pus saindo de pessoas ainda em vida, mas mortas para o sistema, nada de indignação com o caos da saúde, beijo a mulher em pensamentos, coloco meu pênis em sua boca, ele mergulha em sua molhada cavidade bocal, depois puxo seus cabelos, bato em suas nádegas e gozo dentro de sua vagina, acordo, lavo o rosto, não levantei para beber água enquanto lia essa história e notícias sanguinolentas, os cachorros estão lá.
O desencantamento do mundo, a morte de deus, os tomates verdes e fritos, o vento que levou todos os sonhos utópicos, as vaias aos militares, as ditaduras eventuais, as pessoas merecem suas derrotas, merecem seus governos, são imperdoáveis, os cachorros ainda gritam na escuridão, a notícia ainda vibra nos olhos, corpos e mais corpos, levanto, bebo água, como uma maçã e me lembro da música do Raul, mas os cachorros não vivem mais, mais nada há de sensato no mundo, no mundo nada mais será depois de nadificado pela consciência, guitarras, solidão em meu quarto, desligo a lâmpada, o sangue espirra em mim, acordo, lavo o rosto, enquanto leio essa história o mundo gira lá fora e aqui dentro matam cachorros por 5 reais.



quarta-feira, 1 de maio de 2013

...E A MÚSICA FALAVA DE AMOR



Eu olhava sem perdão para aqueles corpos queimados de sol, mulheres, crianças, homens, todos desalmados pelo calor, todos desfigurados pela miséria, água gelada, óculos, brinquedos, todo tipo de coisas baratas vendidas nos semáforos e eles ali sendo devorados pelo sol, fico dentro do carro com o ar condicionado ligado, na frescura do meu automóvel olho preguiçosamente para a massa humana fora do veículo, olhar sem meia culpa, não sou personagem do Dostoevsky, abro minha mente e dentro dela povoa seres bestiais, personagens naturalistas, são aqueles seres ali queimados pelo sol, o câncer de pele deve ser a próxima etapa, a menina de calça jeans e blusa branca já foi bonita um dia!
A música toca, a pintura se torna uma borra, meus olhos não penetram na sensibilidade, não fico emocionado, bebo mais um gole, o dia foi indigesto, digiro, dirijo, viro e me deito nos braços da indiferença, a música parece falar de algo como amor, me lembro daquelas mulheres na noite passada, se prostituindo enquanto eu comia batatas fritas, engolindo esperma enquanto o mundo engolia o orgulho e continuava a girar sobre si mesmo, em si a verdade não é verdadeira, eu verdadeiramente duvido de tudo e tudo isso não me cheira bem, a verdade é relativa, as pessoas queimadas pelo sol trabalhando para continuar respirando, elas não sonham, não amam, não refletem sobre sua existência? Elas são humanas, felizes, quem disse que homem que corria sem deuses, medicina e filosofia para dentro de uma caverna não era feliz? Muitas perguntas, poucas respostas, a música continua, amor, ela fala de amor.
Amor, ouço essa palavra saindo da boca de uma mulher de trinta anos, vestido colado no corpo, não sei seu nome, ela senta com sensualidade sobre meu pênis, me agarro em seus seios, a chamo por nomes indecentes, por fim ela fuma um cigarro e eu assisto televisão, não gosto de mulheres que fumam, me lembro dos trabalhadores do semáforo, já fui trabalhador assim, hoje curto a preguiça, tenho preguiça até intelectual, mas ainda consigo ler frases de jornais, as notícias não me excitam, a boca dela sugando meu membro me excita, o êxtase é total, sou tão vazio, me falta algo, como para preencher o vazio, a comida não é tão eficaz.
A música se repete, dentro do meu carro ouço a música que fala de amor, me lembro de que já chorei olhando um catador de papel esquelético andando na chuva, era adolescente, cheio de paixão política, nunca chorei por uma mulher, aquela prostitua já chorou por mim, ouço a música com um pouco mais de atenção, o vazio toma conta de mim, resolvo ir ao encontro de uma pessoa, não amo, não mais, mas não me assustaria se amasse de novo, o carro dança pelas ruas, imagens aprecem em minha mente, a música fala de amor.

Se um meteoro caísse agora iríamos todos morrer, um meteoro bem grande é claro, faríamos falta para o universo? Duvido, aqueles políticos corruptos, essas meninas de mini saias, traficantes, trabalhadores noturnos, filósofos, seríamos como os dinossauros agora, nada! Continuo meu caminho, ontem falei com ela, a beijei, depois de cinco anos reatamos, ainda não a amo, tenho algo grande em mim, o vazio diminuiu, a música que fala de amor já me toca com um pouco mais de ênfase, os trabalhadores do semáforo continuam miseráveis, o ar está ligado, meus vidros fechados, o sinal fica verde, já não penso mais neles, a música fala de amor, de amor, de amor...