quinta-feira, 31 de março de 2011

AVE MARIA E ESPERMA

Ela dava passos tímidos, a música, as lágrimas, o povo olhando aquela cena clássica. Minutos transformados em horas, uma longa jornada, ele a olhava, enquanto a música passeava por seus ouvidos ele via a noiva caminhar alegremente pelo tapete vermelho.
Suor, como estava quente dentro da igreja, seu pênis ereto, ele olhava para uma das damas de honra, ela tinha apenas sete anos, ele a imaginava colocando sua meiga e rosada boca em seu membro duro de excitação, vibrante de emoção, como se emocionou aquela noiva, com seus passos intermináveis e a música sacra embalando sonhos.
O seriado passava na televisão, A Gata e o Rato, Willis em seu início de carreira, comédia com falas rápidas e estilo pseudo-intelectual, Fábio gostava, admirava esse enlatado estadunidense, diversão em dias de domingo, os anos oitenta tinha dessas coisas. Cabelo com gel, preto e brilhante, penteado para trás, seu seriado preferido acaba, Bruce não irá mais fazê-lo rir naquele domingo, é hora de sair para a caça. Um parque, lindas moças, mulheres angelicais, demoníacas, mulheres adultas, essas mulheres não o interessavam, Fábio tinha olhos para outras, menores e mais frágeis.
O noivo parece aflito, a noiva está a poucos passos, mas demora tanto a chegar até ele, a música Ave Maria toca, Fábio se emociona, ele não é o noivo, mas tem o mesmo nervosismo, aquela pequena dama de honra o incomoda, o tesão corre em sua veias.
As cortinas dão um ar brega ao quarto, fumaça, Fábio acende um cigarro, a música é vibrante, menina veneno, sucesso naqueles tempos, Kátia acha tudo diferente, ela com apenas dez anos de idade em um motel, como seria sua vida agora em diante? Ela conheceu Fábio no parque, aquele sol, o calor, domingo descompromissado, fuga da realidade, lá estava o seu príncipe vespertino pronto para convidá-la para um passeio erótico.
Como não chorar com tamanha emoção em um casamento? A noiva finalmente chega a seu destino, a música para, começa a cerimônia, as mãos da Fábio estão suadas, seus batimentos cardíacos são terremotos internos, explosões, alvoroço cerebral, ele abandona o calor da igreja para se esconder no banheiro, enquanto o padre falava Fábio se masturbava pensando naquela pequena dama de honra, o esperma quente e viscoso escorrendo em suas mãos e caindo lentamente dentro do sanitário.
Ele chegou tímido, falava pouco, seu olhar penetrava profundamente a alma dos mais desalmados, sua dor, sua angustia, sua falta de caráter. Ele chegou em um dia de chuva, a chuva deixou tudo mais fresco, mais tenebroso. Fui o segundo da fila, ele já estava sangrando, não tive dó. Na prisão pessoas como Fábio são colocadas em situações constrangedoras, animalescas. Ele virou objeto sexual, enquanto ouvia suas músicas preferidas e se lembrava das crianças com quem transava eu e os demais colegas de cela descansávamos para mais um dia de atividade. Não poupamos Fábio.
De volta a igreja, a cerimônia caminhava lentamente, mas já estava no fim. A música retorna, Ave Maria, pessoas emocionadas, os noivos, agora casados, caminhando e radiando sua felicidade, Fábio se lembrava da prisão, do estupro, se lembrava do inferno na carne, porém a tentação é maior, aquela dama de honra o excitava. Naquela mesma noite aquela jovem viu seu corpo violado e cheio de esperma, naquela mesma noite Fábio mostrou que seus instintos eram mais forte do que a lembrança da dor.

segunda-feira, 28 de março de 2011

A Hermenêutica de Gadamer, um esboço.


Interpretar um texto não é simplesmente ler o que está escrito, a tarefa é um pouco mais complexa, não estamos falando apenas de entender um enunciado, estamos falando de compreender, mas aqui compreender não se restringe apenas ao texto, ele expande sua lógica pela existência humana com suas angustias e expectativas no tempo, é a partir da “pré-sença”, ou do ser-aí que Gadamer irá colocar sua hermenêutica de fundo “Heideggeriana”.
O primeiro passo é nos colocarmos com a coisa ela mesma, temos que dialogar com o texto, mergulhar na tradição na qual ele pertence, temos que entender o texto por ele mesmo, para depois relacionarmos ele com o seu autor e com as condicionantes sócio-econômicas e históricas. Partimos para isso dos pré-conceitos, de conceitos que já trazemos conosco, com isso teremos um projeto inicial que irá sendo reformulado a medida que passamos a compreender o texto e vamos formulando novos projetos de entendimento:
Quem quiser compreender um texto deverá sempre realizar um projeto. Ele projeta de antemão um sentido do todo, tão logo se mostre um primeiro sentido no texto. Esse primeiro sentido somente se mostra porque lemos o texto já sempre com certas expectativas, na perspectiva de um determinado sentido. A compreensão daquilo que está no texto consiste na elaboração desse projeto prévio, que sofre uma constante revisão á medida que aprofunda e amplia o sentido do texto. (GADAMER,2002, p: 75).
Com esses conceitos que temos com o pertencimento a uma tradição damos o primeiro passo na construção de um projeto de compreensão do texto, mas isso não que dizer que temos que “sufocar” a fala do texto com nossas expectativas, pelo contrário, temos que estarmos abertos e receptivos ao que o texto nos fala e somente depois fundirmos os horizontes do leitor e do texto. Aqui não há também uma neutralidade frente ao que está no enunciado, mas sim um diálogo entre nossos projetos prévio e nosso entendimento e o que nos fala o texto para depois ser construído uma compreensão do todo.
Compreender um enunciado é compreender a pergunta que gerou esse enunciado, “todo enunciado tem seu horizonte de sentido no fato de ter surgido de uma situação de pergunta” (GADAMER, 2002, P:67), ou seja, todo enunciado é resposta a uma pergunta, entender isso é mais um passo rumo ao entendimento do texto, interpretar um enunciado é também desvendar o que está implícito no texto, ver suas perguntas e também o que não foi dito. Esse desvendar é um descobrir, desocultar, é tornar algo verdadeiro. A verdade é desocultação. (GADAMER, 2002, P:60).
Com base na filosofia fenomenológica de Heidegger Gadamer tem como base a pre-sença (Daisen), o ser humano e sua existência, sua historicidade, compreender não é apenas um ato de interpretar um texto, mas também de dar sentido a essa existência temporal, as expectativas desse ser, compreender é também ser. A hermenêutica parte da historicidade, da existência humana, é o ser temporal a medida da interpretação com sua existência e pertencimento a uma tradição, tradição essa que tem um caráter de autoridade, de saber que sobrevive a destruição do tempo. O fato dessa tradição ter caráter de autoridade não a faz uma verdade absoluta, temos que ter um olhar crítico sobre ela, sem negar suas “verdades”.
O texto é interpretado nessa perspectiva hermenêutica tendo com “metodologia” o círculo da compreensão, nele as partes determinam o todo, assim como, o todo determina as partes em um círculo de compreensão das partes e do todo rumo a uma compreensão do enunciado:
A antecipação de sentido, que comporta o todo, ganha uma compreensão explícita através do fato de as partes, determinadas pelo todo, determinarem por seu lado esse mesmo todo. (GADAMER, 2002, P:72).
Nesse caso as partes tem que concordarem com o todo, caso contrário não há êxito na compreensão.
Com essa pequena e superficial explanação deixamos claro o caráter de compreensibilidade da hermenêutica de Gadamer e sua relação com a historicidade e a existência do ser humano ( Daisen). Esse texto tem como objetivo explicitar a importância da hermenêutica na interpretação textual, a importância do “diálogo” com a obra, o entendimento tanto da pergunta quanto da resposta expressa em seu enunciado.

                                       BIBLIOGRAFIA

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: complementos e índice. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

domingo, 13 de março de 2011

MÔNICA

As lembranças estavam todas lá, o parque, a grama, a bicicleta, o primeiro beijo, o primeiro boquete, tudo misturado em arco-íris, violeta brilhante, preto e branco, luzes da ribalta, verde astronauta, mármore sem estação. Borboletas, monstros infantis, brincadeiras serias, mentiras sinceras, tudo em um redemoinho claustrofóbico, psicológico, tudo cheio de muita emoção, saudade, verdade, nada contra lembrar, a memória é uma vadia…
Santos, demônios, filósofos, desencantos, cantos, música romântica, romantismo literário, literatura absurda, viver é um cair no abismo, é um absurdo existir, a complexidade da simplicidade, a mente e sua consciente e negligente vontade, verdade, lembrar é um beijo no passado, um salto no vazio.
Mônica caminha pelas avenidas de Goiânia, celebra sua vida cheia de vazio, o mundo a fez assim, santa luxuria, caminho de descaminho, os homens a fizeram chorar, lamentar, gozar, muitos beijos, pênis em sua orbita sexual, excitação com o caos, ela apenas lembrava agora, o desencanto, não ama mais, apenas devora os seres que se aproveitam de sua sensualidade.
Mônica se lembra, mas suas lembranças são fantasias, ela perdeu a memória, mas precisa sonhar, precisa lembrar, saber quem ela é, para isso inventa um passado, amores, brigas, dores, inventa um universo, se inventa, se lança como uma lança no espaço rumo ao futuro sem passado.
Blade Runner, Matrix, filmes e literatura cyberpunk, como Mônica se parece com os anti-heróis sem memória, ela se reinventou, criou o amor, a ilusão, a realidade é um real fantasiado, quem somos? Não sabemos, improvisamos identidades, saudades, sonhos. Mônica caminha pela Avenida Anhanguera, seus olhos cheios de uma secura, cheios de segurança insegura, ela duvida, acha que não sabe, morrer seria um felicidade, atrás apenas um passado, ela criou seu próprios caminhar, recordar. Quem é Mônica? Apenas perguntas para compartilhar, respostas são caminhos duvidosos.

quinta-feira, 3 de março de 2011

JUSTA OU INJUSTA A PREMIAÇÃO DO FILME "O DISCURSO DO REI" NO OSCAR?


O Oscar é um evento que nos remete ao glamour do cinema estadunidense, é um evento onde o tom de festa está acima do de festival, parece que a intenção de mostrar as grandes produções do cinemão pipoca é mais enfática do que a proposta de se debater, analisar e provocar um olhar mais amplo sobre a produção cinematográfica. É público e notório que a festa do Oscar fez algumas injustiças premiando filmes “fracos” em detrimento de obras primas, veja o caso de CIDADÃO KANE por exemplo. Mas será que essa festa é feitas apenas disso, de injustiças?
Às vezes fico contrariado com a forma que a academia premia seus filmes, nunca consegui aceitar a premiação de um filme tão fraco e superficial como ROCKY com o astro Sylvester Stallone, porém temos que admitir que muitas vezes nossa irritação e descontentamento estão ligados a nossa subjetividade, ao chamado “gosto pessoal”, é complicado  falar mal de uma premiação quando está em jogo o olhar de cada um sobre a obra, poderíamos perguntar então até que ponto o gosto pessoal poderia determinar se um filme merece ou não ganhar um prêmio, como resposta eu arriscaria dizer que temos que ir além desse olhar e termos critérios do que seria um bom roteiro, uma boa fotografia, um filme inovador etc, porém isso não estaria desvinculado de nosso olhar pessoal.
Polêmicas são inevitáveis quando há disputas, paixões, torcidas, nosso gosto pessoal e o que achamos que é mais sofisticado ou apenas melhor, tudo vai levar a certos descontentamentos com o resultado de uma votação, no caso aqui em questão a premiação do Oscar. Esse texto veio em razão da última festa do Oscar onde o filme O DISCURSO DO REI saiu com o prêmio de melhor filme, muitos criticaram dizendo que eram um filme medíocre, outros falando que era panfletário, propaganda da monarquia britânica, ou ao contrário, que era uma desmoralização ou diminuição da imagem da Inglaterra durante a guerra, li até o termo fascista como adjetivo para a película. Será que esse filme é tão ruim assim ou tão medíocre ao ponto de ser uma aberração sua premiação no Oscar?
Mais acima eu coloquei minha frustração com a não premiação de CIDADÃO KANE e minha decepção com a premiação do mediano ROCKY, isso é engraçado, pois agora venho defender um filme ganhador do Oscar, não achei o filme medíocre, fascista ou piegas, O DISCURSO DO REI é um drama bem montado, sem ser lacrimogêneo como o romance TITANIC, ou apenas uma narrativa trivial como o outro concorrente, O VENCEDOR. Para sair desse ambiente “água com açúcar” o diretor  Tom Hooper não caiu na armadilha de transformar seu filme em um discurso técnico sem coração ou emoção, como é o caso do endeusado A REDE SOCIAL, que tem uma bela montagem, um personagem vibrante, mas peca pela falta total de emoção ou carisma, é uma matemática artística. O filme que nos mostra a dificuldade do rei George VI em discursar e falar em público devido a sua gagueira é interessante, sua amizade com um médico “prático” para se curar é uma bela, e não piegas, imagem do poder da amizade. Belíssima fotografia, que nos enche os olhos, uma história interessante e com personagens e atores a altura com interpretações bem colocadas, tanto Colin Firth interpretando o rei gago como Geoffrey Rush estão ótimos.
Temos que ser justos, o filme tem suas limitações, erra ao distorcer certos fatos históricos, tenta amenizar o anti-semitismo dos membros da família real inglesa, apesar de mostrar o entusiasmo de um deles com Hitler. Apesar dos seus problemas ainda vejo O DISCURSO DO REI como uma boa obra de arte, um filme instigante com uma boa história e um interessante roteiro, ele não inova ou revoluciona, é mais um filme  com a velha fórmula America com certo charme britânico, mas faz bem, não decepciona. Quanto as críticas a sua premiação penso que havia outros bons filme e que se tivessem ganhado não seria uma injustiça, filmes como A ORIGEM e BRAVURA INDÔMITA mereceriam também. O fato desses outros filmes de qualidade não terem ganhado o prêmio não  quer dizer que O DISCUROS DO REI seja ruim. Fica ai mais um texto para encher a fogueira da polêmica de lenha.