terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Travestis e a noite violenta.

   A noite cai, o silêncio de mentes maliciosas cede a sede, bebe das águas barulhentas e noturnas, soturnas, românticas e cheias de marginalidade. Um ponto final não finda a vida, apenas pausa os corações, os impulsos, os raciocínios mecânicos, mas depois abre espaço para outras frases, outras vírgulas, outras palavras. Um ponto final para o dia, para a luz solar, inicia-se a caminhada dos vampiros atrás da sensual sensação de prazer, sangue, esperma e demais aventuras; zumbis também saem das tumbas, drogados, ladrões, e boêmios a espera de paqueras, solitários a procura de alguém para ouviram suas histórias .
    A noite abre as portas de palácios, portais de dimensões coloridas refletindo na escuridão quente dos trópicos, bares cheios de bocas sedentas; garotas de programa programando a vida em troca de trocados enquanto homens pulsam prazer. Dentre os profissionais liberais da noite estão os travestis soltos nas teias do destino não traçado, entre o feminino, o masculino e o andrógino, entre mundo, civilização e barbárie; a noite engole a todos, e traveste alguns.
    A procura por sexo é grande, isso vale para a procura por travestis; o Brasil é um dos países com maior número de procura por vídeos pornográficos com travestis e transexuais, porém, contraditoriamente, é também um dos países onde mais se matam homossexuais e, travestis, principalmente.
    O marginal, o não humano, o não padronizado, o sujo, o que macula a pureza, que quebra a coluna que sustenta o masculino, o cristão, o conservador modo de vida. A educação é machista, a sociedade também, junto disso há um estigma de tudo que vai contra o estabelecido tradicionalmente, ordenado nas estrelas por deuses astronautas e consolidado na terra por seres puros, sérios e a favor da manutenção da ordem.
    Se há tanto interesse na procura de vídeos e na procura dos travestis nas ruas, sites e casas noturnas, por que também é grande a intolerância, violência e mortalidade nos ataques a esses humanos desqualificados, marginalizados e jogados no canto obscuro da civilização?
    A noite cai, o romantismo que acompanha amantes, amigos e boêmios dá lugar ao melancólico desfile de desumanização, ceifar vidas humanas é como pisar em formigas; o marginal, o sujo, o anormal não é humano para quem olha pelo prisma conservador, olhar esse que retira a humanidade da esfera da vida e coloca apenas animalizações em forma de gente. Talvez seja coerente o direito dos animais, pois os direitos humanos não fazem mais sentido nesse mundo sem humanidade.