quarta-feira, 1 de maio de 2013

...E A MÚSICA FALAVA DE AMOR



Eu olhava sem perdão para aqueles corpos queimados de sol, mulheres, crianças, homens, todos desalmados pelo calor, todos desfigurados pela miséria, água gelada, óculos, brinquedos, todo tipo de coisas baratas vendidas nos semáforos e eles ali sendo devorados pelo sol, fico dentro do carro com o ar condicionado ligado, na frescura do meu automóvel olho preguiçosamente para a massa humana fora do veículo, olhar sem meia culpa, não sou personagem do Dostoevsky, abro minha mente e dentro dela povoa seres bestiais, personagens naturalistas, são aqueles seres ali queimados pelo sol, o câncer de pele deve ser a próxima etapa, a menina de calça jeans e blusa branca já foi bonita um dia!
A música toca, a pintura se torna uma borra, meus olhos não penetram na sensibilidade, não fico emocionado, bebo mais um gole, o dia foi indigesto, digiro, dirijo, viro e me deito nos braços da indiferença, a música parece falar de algo como amor, me lembro daquelas mulheres na noite passada, se prostituindo enquanto eu comia batatas fritas, engolindo esperma enquanto o mundo engolia o orgulho e continuava a girar sobre si mesmo, em si a verdade não é verdadeira, eu verdadeiramente duvido de tudo e tudo isso não me cheira bem, a verdade é relativa, as pessoas queimadas pelo sol trabalhando para continuar respirando, elas não sonham, não amam, não refletem sobre sua existência? Elas são humanas, felizes, quem disse que homem que corria sem deuses, medicina e filosofia para dentro de uma caverna não era feliz? Muitas perguntas, poucas respostas, a música continua, amor, ela fala de amor.
Amor, ouço essa palavra saindo da boca de uma mulher de trinta anos, vestido colado no corpo, não sei seu nome, ela senta com sensualidade sobre meu pênis, me agarro em seus seios, a chamo por nomes indecentes, por fim ela fuma um cigarro e eu assisto televisão, não gosto de mulheres que fumam, me lembro dos trabalhadores do semáforo, já fui trabalhador assim, hoje curto a preguiça, tenho preguiça até intelectual, mas ainda consigo ler frases de jornais, as notícias não me excitam, a boca dela sugando meu membro me excita, o êxtase é total, sou tão vazio, me falta algo, como para preencher o vazio, a comida não é tão eficaz.
A música se repete, dentro do meu carro ouço a música que fala de amor, me lembro de que já chorei olhando um catador de papel esquelético andando na chuva, era adolescente, cheio de paixão política, nunca chorei por uma mulher, aquela prostitua já chorou por mim, ouço a música com um pouco mais de atenção, o vazio toma conta de mim, resolvo ir ao encontro de uma pessoa, não amo, não mais, mas não me assustaria se amasse de novo, o carro dança pelas ruas, imagens aprecem em minha mente, a música fala de amor.

Se um meteoro caísse agora iríamos todos morrer, um meteoro bem grande é claro, faríamos falta para o universo? Duvido, aqueles políticos corruptos, essas meninas de mini saias, traficantes, trabalhadores noturnos, filósofos, seríamos como os dinossauros agora, nada! Continuo meu caminho, ontem falei com ela, a beijei, depois de cinco anos reatamos, ainda não a amo, tenho algo grande em mim, o vazio diminuiu, a música que fala de amor já me toca com um pouco mais de ênfase, os trabalhadores do semáforo continuam miseráveis, o ar está ligado, meus vidros fechados, o sinal fica verde, já não penso mais neles, a música fala de amor, de amor, de amor...