segunda-feira, 26 de março de 2012

EM PRETO E BRANCO


Em preto e branco, assim eram aquelas lembranças, as flores, a música erudita tocando no fundo de uma cena, pai, mãe, um carrossel infernal, chamas, doçuras, beijos, orgasmos, vida adulta, brincadeiras, escuro, medos.Amém, e tudo volta como se nunca tivesse desaparecido, assim a é ferrovia descontrolada da memória de um homem amargurado com o passado, esquecido no presente, náufrago sem futuro.
A luta, golpes em câmera lenta, ele se lembra de uma luta de boxe, ele que já lutou tanto na vida, mas nunca de luvas, nunca caiu em uma lona, caiu na vida como quem cai em um abismo sem fundo. Sangue, a boca de um dos lutadores parece pintada com groselha, parece beijar a dor, mas é êxtase que paira no ar, os olhos do homem cheio de passado estãolacrimejando, a luta passa agora de forma rápida frente a suas retinas e desaparece com o pôr do sol.
Algo doce, algo vem com a brisa da manhã e pousa em seu ombro, ele sente o perfume dela novamente, seus cabelos loiros brilham como se fossem vivos, medusa, ela o transformou em pedra, coração de rocha, espedaçado, ela fez dele um mineral passional, um louco apaixonado. Louco é aquele que teima em viver, corajoso é aquele que é louco o bastante para não morrer, assim as palavras caem como plumas no papel, assim aquele homem de poucas palavras se recordava daquela que tocou sua alma.
O preto e branco se rasga no ar, a luta de boxe passa mais rápida, sentimentos desgovernados como um Estado corrupto, como uma paixão adolescente, o brilho colorido de um mundo aparece, Fiat lux, até parece Jeová no infinito fazendo um mundo pelo verbo. Cabelos ao vento, loiros e cheios de prazer, sua boca o beija novamente, Lúcio se agarra as suas nádegas, beija seu sexo, geme com seu orgasmo. Rosas saem de suas palavras, o velho caquético vê mais um pôr do sol, mais um dia é enterrado em seu coração, o velório combina com o manto negro da noite que cobre seu corpo.

Uma faca, o vermelho pelo chão, barulho de cigarra, o cigarro em sua boca, soluções, o cabelo loiro de Angela, seu corpo, seu vestido amarelo, suas lágrimas. Naquele dia ele não se contentou em bater, o ciúme foi mais forte, o medo de perder, a faca entrou suavemente pela pele, pela carne, pelos sonhos de uma mulher adultera, o velho caquético chorava enquanto olhava para as flores, para o cabelo claro, o sangue jorrava pelos olhos da saudade, ele se lembrava de sua antiga amada pintada com as cores da violência que jorra de amores mal explicados. Não adianta mais arrependimentos, o sol vai embora e o velho adormece mais uma vez com o sono embalado por seus atos, sua vida carrega um crime, sua pena são suas lembranças, o cheiro dela dentro de suas entranhas.

terça-feira, 13 de março de 2012

BRIVIDO


A música antiga cantada em italiano, brega como uma noite quente, efervescente como a memória, latente como sexo. Espelho, maldito espelho, ele refletia toda a desgraça, toda falta de graça que havia naquele momento, ele olhava, fitava como um caçador sua imagem refletida no espelho, sua barba por fazer, suas orelhas, o pingo de lágrima, água salgada que desce pelos rostos emocionados, melancólicos, pelas almas inundadas de vida, secas de morte.
Caminhar sozinho pelos cômodos fazia com que Leandro recordasse de parte de sua vida, uma parte solta como um quebra-cabeça rodava em sua mente, criava monstros, refazia passagens, a música tocava no fundo, ele bebia um copo de wisk enquanto caminhava ao encontro da solidão.
O ar noturno queimava em seus pulmões, aquela voz baixa parecia brotar das paredes, Leandro podia ouvi-la, senti-la, no banheiro se masturba, o líquido viscoso que saia de sua genitália cai na porcelana branca, seus olhos vermelhos parecem prontos para chorar, ele se masturbou pensando nela,  ele caminha por poeira, espaço escuros, cômodos sem vida, paredes silenciosas, a casa era um baú de saudade, sua vida era uma desgraça ambulante, a desventura cravou uma espada em seu coração.
Luciana, o nome estava escrito com fogo em sua pele, não poderia esquecer, a voz de Luciana reaparecia do nada, seu vestido preferido, passeios no parque, beijos, brigas, aquela casa guardava tudo sem eu ventre, enquanto o corpo de Luciana era devorado pelos vermes em algum cemitério do sul de Goiás Leandro devorava sua saudade molhada com álcool. A música não tocava mais, a canção romântica cantada em italiano sumia com a negritude da noite, Brivido.

quinta-feira, 8 de março de 2012

O QUE É SER MULHER?


O que é uma mulher? Um homem não sabe o que é uma mulher, um homem pode interpretar, compreender, hermeneuticamente pode dialogar com o sexo feminino, esse gênero que regenera sentimentos, degenera sofrimentos, amamenta, beija, sofre, ama, nasce santamente, sonha loucamente, calmamente contempla o horizonte.
Um homem não sabe o que é ser mulher, ele pode entender, mas não sentir na pele o calor que derrama anseios, paixões que devaneiam, um homem pode amar um filho, mas nunca chorará por ele como uma mulher, ele ejacula a semente que o gerará, porém não dividirá com ele seu alimento enquanto o carrega em seu ventre.
Um homem não é uma mulher, óbvio e ululante, um homem tem mais força física, tem mais objetividade, um homem tem menos fraternidade, tem menos romantismo, menos força de vontade do que uma mulher. O homem é a natureza, mulher é a graça, graças a Santo Agostinho posso colocar esse plágio nessas breves linhas.
O que é uma mulher? Não sei responder, pois não existe uma mulher, uma essência eterna, existem mulheres, belas, enérgicas, intelectuais, amorosas, calientes, calmas, mães, racionais, passionais, mulheres. Se eu fosse o Wando diria que são luzes, raios, estrelas e luares, mas são mais, eclipses racionais, clarões emocionais, obscuras incógnitas, desejos humanos, mulheres.
Ser mulher é sentir, viver e ver o que não sinto, vejo ou vivo, mas admiro e amo vivamente, todos os homens tem dentro de si algo de feminino, lá bem no fundo escondido, são esses pequenos “algos” que herdamos de nossas mães, amadas, colegas, são esses pequenos detalhes que formam grandes homens, homens que não são nada sem as mulheres, suas donas, amigas e amadas.
Nesse oito de março queremos lembrar que, o dia da mulher, são todos os dias, essa data é apenas para lembrarmos a luta dessas guerreiras e não esquecermos de seu valor, seu brilho, beleza, inteligência e garra.
Parabéns a todas vocês mulheres!

quinta-feira, 1 de março de 2012

DEZ REAIS


O sol queimava o dia, luz, calor, suor, o fétido cheiro do sangue percorria as narinas mais sensíveis, o corpo velho e enrugado de Oscar estava imóvel, sem vida tomando espaço na calçada, sua cabeça ensangüentada era objeto de repulsa e compaixão. Chega a polícia, Joel olha para aquela massa orgânica sem sentir nada, a vida já é bastante para ele, já a morte não passa de uma piada.
O vinho desce suavemente a garganta, a chuva leva sonhos para a cama, nostalgias surgem com a música no aparelho de som, mordidas gulosas levam Joel a engolir a salada, a salivar com a carne do frango em sua boca, entre uma mordida e outra ele se lembra do corpo de Oscar estirado na calçada da Rua 34. Oscar era um senhor de setenta anos, reagiu a um assalto, dois menores tentaram levar o seu dinheiro, eles tinham uma faca, no meio da luta com o velho Oscar acabaram perdendo a arma afiada para o velho, mas Lucas se apoderou de uma pedra que acabou indo ao encontro da cabeça cheia de sonhos e sabedoria do idoso, sua cabeça abriu como mágica, enquanto o sangue escorria pela calçada da rua 34 os dois menores, Lucas e Miguel, saiam correndo com apenas dez reais que pertenciam ao senhor estirado no chão.
Enquanto bebia suavemente seu vinho Joel se lembrava de Maria, tinha saudade de uma pessoa que ele não via a mais de quinze anos, pessoa essa que aparecia enquanto dormia, enquanto chorava , até mesmo quando fazia sexo com sua namorada Yolanda, o vermelho do vinho lembrava paixão, lembrava também do sangue de Oscar, mas Oscar não representava nada a Joel, era apenas mais um latrocínio, mais uma vítima da violência urbana, um policial com mais de vinte anos de rua não se apegava mais a isso.
A televisão ligada, já é madrugada, o vinho no copo, notícias, uma jovem é morta após ser estuprada, Joel desliga a TV, está cansado de ver sua rotina televisionada, ele deita e fecha os olhos, o sono não vem, beija a insônia com sua boca alcoolizada cheirando a vinho barato. Enquanto rola na cama o policial pensa na sua amada, sua paixão platônica, uma pena não ter dado certo, pensa ele,  a imagem do velho estirado na calçada reaparece, um crime banal, por apenas dez reais aquele senhor perdeu a vida, a vida não vale um centavo, a vida é apenas um acaso e vale apenas enquanto o ser existe, depois vira lembrança, Oscar virou também estatística, números não tem coração. A insônia contagia todo o corpo de Joel, dez reais, era o preço do vinho vagabundo que o nosso policial acabara de beber, era o valor que os menores levaram do velho, era o valor da vida de Oscar, ele valia menos que um vinho barato.