sábado, 5 de fevereiro de 2011

CONDENADO A VIDA


O apocalipse em retrocesso, caminhadas na lua, vagas lembranças de fogos, tumultos, quedas de muros, bastilhas e ideologias, serpentes mentirosas, corredores de luzes, psicodelia, amarras do destino, fiasco da religião, medo sem noção, lógica da emoção, vem barrocas memórias diluir em minha mente, passar por entre as sementes de conceitos perdidos, expectativas aflitas, em algum lugar do passado vejo a luz, a explosão, a formação, vejo um caminhar rumo a desertos, não vejo a morte.
Um cigarro, depois de gozar duas vezes ela fumo um cigarro, a cinco minutos atrás estávamos entregues ao prazer. Ela irá envelhecer, sua pele enrugada irá denunciar sua idade, eu irei ao seu enterro, lágrimas internas vão manchar minha reputação, eu não morro. Mordo os lábios que enfeitam meu rosto, o sangue me mostra que estou vivo, isso não é motivo de alegria para mim, respirar era um desafio, hoje é uma praga, odeia ter que viver.
A luz do sol não esquenta mais meu coração e nem envermelha minha pele, o céu acinzentado mergulha meu orgulho na poluição de emoções, na atmosfera de caos que reina nesse mundo, desmundo, sem fundo como um xeque, mate a filosofia e jogue seu corpo fora, mas eu não morro. Vi revoluções, mortes, fogueiras, injustiças, mentiras, vi cavalos sendo trocados por carros, mulheres de mini-saia, olhei pelas frestas do universo e enxerguei a falta de espírito na metafísica, sem paraíso caminhei com os mortos, olhei meus amores serem enterrados, crianças se tornarem velhos, somente eu estava condenado a sofrer eternamente, a não abraçar a morte, a eternidade é um chicote em minhas costas, Prometeu acorrentado, foda-se a inteligência.
O cigarro, nossa noite de amor exala sensualidade, câncer de pulmão na verdade, amor carnal preso na fumaça, na desgraça, na falta de graça de deuses desalmados, sou um deus preso na carne, um Jesus sem ressurreição, a cruz é minha existência, não tenho perdão.
Aquela boca que ainda a pouca me chupava, me beijava e falava coisas sobre literatura e política agora engole a fumaça do cigarro, eu invejo essa mulher, ela vai morrer, vai diluir seus sonhos, angustias, sofrimentos, tudo vai se tornar nada e eu continuarei a nadar na calamidade de meus sofrimentos, sem rugas, sem fim, caminhando até o pôr do sol e vendo ele nascer eternamente.
Sou como um vampiro, um Highlander, mas não morro com estacas ou se cortarem minha cabeça, eu não morro, aterrorizo a mim mesmo com minha longevidade, pensar que tenho que aproveitar a vida é uma piada, tenho todo o tempo que quiser para aproveitar, eu não morro, a morte no fundo é uma alegria, sem ela a humanidade estaria presa na monotonia, na falta de sintonia, morrer é ter uma razão para viver. Eu não morro.
A fumaça se apaga, ela está pronta para mais um ato de nossa peça sexual, ela goza no final, na vida e na morte, eu não morro, posso lamentar baixinho, sonhar com o fim, mas ele não chega.
Eu não fumo, não creio, não sonho, apenas caminho e minto que sou humano para mim mesmo.

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