Ouvindo a trilha de Blade Runner e bebendo café, algo de estranho nessa tarde, olho para o horizonte, contemplo o nada, mas esse nada quente e medíocre não me aborrece, não me entristece, sou indiferente, esse é o problema, a vida não me toca mais com sua ironia ou emoção, me sinto um inorgânico ser, um ser sem pulsação. A tarde se esconde em um véu negro chamado noite, estou pronto para sair pelas ruas da cidade.
Naquela tarde sem graça, como o sorriso forçado de um palhaço triste, eu coloquei meu vermelho e barato carro para deslizar sobre o tapete asfáltico de minha cidade, ando por ruas e avenidas movimentadas, vejo lindas mulheres, vejo pessoas correndo sem destino, loucas baratas humanas prontas para a dedetização do destino, amém digo para minha consciência inconseqüente, alegre e sem pudor ela grita suavemente um canto de horror. Uma esquina, ela atravessa a rua com passos tímidos, sua roupa é cheia de estereótipo, um verdadeiro uniforme, ela é evangélica, seu jeito conservador, sua meiguice no olhar, não resisto, paro o carro e começo a conversar com a mulher. Primeiro pergunto seu nome, ela se assusta, mas não me trata mal, pelo contrário, conversamos, “eu me chamo Carmem”, “prazer Carmem, eu me chamo Fábio”; assim começa minha odisséia pelo s corredores do purgatório.
A noite cai, não faço nada de extraordinário. O dia vem, mais um dia, nada de mais, assim penso eu, assim caminha a humanidade, ponto final.
Dois dias depois ligo para Carmem, ela atende com sua voz sensual, algo me atrai nessa mulher. Combinamos de sair no sábado, depois de Travolta os embalos de sábado a noite nunca mais foram os mesmos. Chega sábado, chega o dia, nada de ansiedade, não sou mais adolescente, não sou mais um utópico e carente ser, sou apenas um tolo cheio de amor para dar, cheio de eufemismos para as desgraças da vida, encontro Carmem no lugar combinado. Eu bebo cerveja, ela suco, falo de coisas banais, ela fala de salvação, apocalipse e sobre família, imagino um lindo boquete, ela imagina coisas transcendentais, coloco temas ousados na conversa, ela não gosta de coisas que caras como Nietzsche dizem, amém mais uma vez.
Um motel, penso eu que poderia levá-la para lá, entro sem pudor naquele lugar, ela não reclama , não fico chocado com sua falta de ação, ela apenas sorri, que assim seja. Pouca conversa, beijos longos, mergulhos em abraços apertados, suspiros e sonhos, sua roupa no chão, uma linda mulher na cama, sem desculpas, sem platonismo, prazeres instantâneos, minutos de pura luxúria.
Um raio de luz, uma semente, uma vaga lembrança de momentos calientes, revoluções, orgasmos, baralhos presos em minha mente, formas geométricas, cinema e peteca, jogos desnecessários desse insano bailar pelo universo, continuo minha caminhada rumo ao nada, vago sem esperança pelas ruas de minha cidade, nunca mais vi aquela moça, seu sorriso ou ouvi suas pregações sobre o cristianismo ou seus suspiros durante o sexo. Nunca mais é muito tempo, a eternidade é uma utopia, coloco meus pensamentos políticos em uma arena, ele luta com gladiadores, com reformadores, a ética, o vulcão da inocência, o medo de uma vida sem alegrias, momentos curtos fazem a diferença. Não me esqueço daquela noite, não me esqueço que há pequenos momentos que permeiam nossas existências, sem esperança, sem lamentações, naquela noite Deus e o diabo estavam naquela cama, naquele motel, naquela noite não ouve revoluções, salvação ou grande discuções filosóficas ou artísticas, ouve apenas um pequeno momento, mais um dia se foi, mais um texto ficou. Amanhã talvez eu ainda esteja respirando, a vida é cheia de futuro.
Ninguém quer admitir que todas aquelas juras de amor não passam de um artifício natural para garantir a sobrevivência da espécie, isso nos reduz a simples marionetes ou a criaturas programadas para reproduzir, segundo Schopenhauer o Instinto sexual é o maior de todos os instintos humanos, belo texto.
ResponderExcluirObrigado...No fundo eu tenho um certo romantismo, mas a maioria das relações são assim como vc disse mesmo.
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