sábado, 21 de outubro de 2017

Armando a população e desarmando a razão.



O caminhar bêbado e desastrado dessa centopeia inorgânica chamada sociedade nos faz refletir sobre os tropeços alcoolizados desse inseto gigantesco, que parece cada dia mais pequeno frente ao monumental pessimismo em relação a segurança pública. Antitético a esse pessimismo é o otimismo conservador dos que acham que medidas mais duras, e o uso de armas de fogo pelo cidadão comum, irá diminuir a criminalidade e a violência, não seria aqui contraditória achar que elemento violento diminui a violência?
Um vendaval varre as esperanças, as mais românticas, as mais entusiásticas, talvez aquela menos ideológica e mais próxima do concreto a partir das relações materiais de produção e da dialética sobreviva, ou não. Mas uma coisa é certa, a dúvida, essa incógnita que está por trás das descobertas, desvelando e tornando verdadeiro até mesmo as mentiras mais estúpidas, como essa do fogo contra fogo de nossa época sombria que assombra quem ainda tem uma chama de discernimento nesse eclipse da razão, nessa dialética do esclarecimento.
Muitas pessoas tem o hábito de separar a segurança pública da totalidade social, como um ente transcendente e metafísico, essa fantasmagoria fetichizada passa a agir na sociedade mesmo sendo separada dela, como um deus hebreu, ou um Et “spielbergiano”.
A segurança pública faz parte de uma totalidade e tem múltiplas determinações, assim como a violência, o crime, o judiciário, as artes, a família, times de futebol etc. Dentro dessa perspectiva no caleidoscópio do social podemos afirmar que ações contra a violência e criminalidade, que não passem pelas determinações delas, como educação, má distribuição de renda, legislação, o Estado, a ideologia da classe dominante, a cultura patriarcal e machista, visão conservadora de competição acima de tudo, manutenção das diferenças classista, respostas violentas ao desvio social, e mais algumas que não cabe agora citar pelo espaço aqui já exíguo; ficaria no mínimo pobre, pois sem olhar para a totalidade que faz parte a segurança pública não podemos ter ações totalizantes sobre violência e crime, caindo nas armadilhas do micro, das reformas, e o pior, do fetiche da violência como resposta para os problemas sociais frutos da violação, da precariedade da vida.
Poderíamos listar aqui uma infinidade de pensamentos, ações e propostas descabidas e separadas de uma análise mais profunda da sociedade no âmbito sociológico, histórico, criminológico e jurídico; mas iremos nos ater a uma proposta polêmica, o armamento da população. Muitos são os que proferem palavras mortíferas contra a indolência do Estado no controle social da criminalidade, dentre essas vozes há aquelas que acreditam que armando a população teremos defesa contra assaltos, para ficar apenas em um tipo de crime. Essas pessoas se esquecem que o armamento da população leva ao aumento de armas circulando, mais armas leva a mais mortes, mais suicídios, mais homicídios em brigas de torcidas organizadas, em brigas de trânsito; mais feminicídio, mais crianças armadas em escolas ceifando vidas juvenis.
Armar a população é dar munição para o canhão da violência, seja ela de trânsito, doméstica, político, conflito agrário, ou mesmo bullying escolar. Não se apaga um fogo atirando álcool, dessa forma aumentamos o incêndio e nos embriagamos com ideias desconexas com a realidade social, nos levando a dar passos bêbados como o da centopeia desgovernada na ladeira da modernidade.
A razão separada do afetivo e de análises mais amplas e profundas nos leva ao irracional, ou a razão instrumental, que torna a razão apenas um meio, um instrumento de finalidades desumanas,  mercadológicas, estatais, violentas, que não veem o ser humano como fim em si mesmo, mas como meio, sem dignidade, mas com preço, como diria Kant.


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