quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Essencializando o crime e retirando o caráter social e excludente da criminalidade.

  

   A ebulição efervescente no estômago desse indecifrável animal faz com que a azia, a queimação e a má digestão tornem o que era salutar e saboroso em deletério e amargo; eis o mal estar da modernidade penetrando pela epiderme, depois sendo eliminada pela cloaca diarreica dessa sociedade doente.
    Não há cura para doenças criadas pelo próprio enfermo, o moribundo tenta matar o resultado, e não a causa dando essência transcendente a um mal imaginário que causa um mal real, mas realmente é criado socialmente e deve ser analisado nessa perspectiva dentro de uma retrospectiva que olhe para dentro da totalidade social; sem estruturalismo, micro poderes, culturalismo pós isso, pós aquilo; mas dentro de uma visão global das múltiplas determinações do real, da base das relações concretas de produção, de sociabilidade, sem cair nas armadilhas das estruturas sem vida, ou das pulverizações, dos micros e descritivos sem adjetivos ou explicações.
    Quando olhamos questões como tráfico de drogas, furtos, assaltos ou violência contra a mulher, temos uma visão superficial que projeta monstros, delinquentes, inimigos que atuam por serem maus em essência, puro mal caratismo; perguntamos o que os levou a cometerem atos criminosos? E o que é crime em nossa sociedade, por que alguns são condenados e outros não, por que algumas classes, e grupos sociais, tem maior número de pessoas nas grades penitenciárias e outros não?
    Não tem como entender ações criminosas sem entender a sociedade com suas desigualdades, contradições, ideologia individualista, mercantilista, machista, racista que condena mais crimes ligados a determinados grupos sociais do que outros. O que foi dito nesse parágrafo não pode ser erroneamente colocado como subterfúgios para delírios inconsequentes de determinismos, como a pobreza produz criminosos, ou o contrário, mau caratismo independente de suas relações sociais faz criminosos. Não existe uma essência criminosa sem história, relações e contradições no mundo social.
    A sociedade excludente que prega o sucesso, o medo do diferente, a mercantilização da vida, a exploração do trabalho e fecha os olhos para a miséria, corrupção e ganância das classes dominantes, exploradoras, dirigentes politicamente é uma sociedade que produz seus dejetos, depois os expele para as latas de lixo achando que esse amontoado fétido, deteriorado e podre irá se regenerar, ou apenas ficará encarcerado, deixando as ruas limpas para podermos caminhar com nossa ideologia burguesa, propriedade privada que priva negros, pobres, lumpemproletariados, e demais segmentos, marginalizados da vida salutar que ainda não foram defecados, mas estão mergulhados numa massa horrenda dentro dos ventres desse abutre social.
   Colocar o criminoso fora do mundo, da história e das relações concretas é essencializar, demonizando-o, colocando a culpa apenas no indivíduo; dessa forma fica fácil encarcerar achando que solucionou o problema, quando na verdade ele, o criminoso, é fruto do problema. Apenas prender não resolve a questão, retira de circulação temporariamente algumas pessoas que voltaram a continuaram, em sua maioria, no crime, aumentando e não diminuindo a taxa de criminalidade.
    Nós criamos essas aberrações criminosas, como elas não são digeridas pelo ácido da indiferença no estômago tentamos deixá-las nos intestinos até serem evacuadas, porém, muitas vezes voltam, atravessam todos o organismo contaminando a já contaminada sociedade excludente que adoece excluindo e morre com a revolta da exclusão num trocadilho fúnebre, melancólico e Shakespeariano.

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