A
ebulição efervescente no estômago desse indecifrável animal faz
com que a azia, a queimação e a má digestão tornem o que era
salutar e saboroso em deletério e amargo; eis o mal estar da
modernidade penetrando pela epiderme, depois sendo eliminada pela
cloaca diarreica dessa sociedade doente.
Não
há cura para doenças criadas pelo próprio enfermo, o moribundo
tenta matar o resultado, e não a causa dando essência transcendente
a um mal imaginário que causa um mal real, mas realmente é criado
socialmente e deve ser analisado nessa perspectiva dentro de uma
retrospectiva que olhe para dentro da totalidade social; sem
estruturalismo, micro poderes, culturalismo pós isso, pós aquilo;
mas dentro de uma visão global das múltiplas determinações do
real, da base das relações concretas de produção, de
sociabilidade, sem cair nas armadilhas das estruturas sem vida, ou
das pulverizações, dos micros e descritivos sem adjetivos ou
explicações.
Quando
olhamos questões como tráfico de drogas, furtos, assaltos ou
violência contra a mulher, temos uma visão superficial que projeta
monstros, delinquentes, inimigos que atuam por serem maus em
essência, puro mal caratismo; perguntamos o que os levou a cometerem
atos criminosos? E o que é crime em nossa sociedade, por que alguns
são condenados e outros não, por que algumas classes, e grupos
sociais, tem maior número de pessoas nas grades penitenciárias e
outros não?
Não
tem como entender ações criminosas sem entender a sociedade com
suas desigualdades, contradições, ideologia individualista,
mercantilista, machista, racista que condena mais crimes ligados a
determinados grupos sociais do que outros. O que foi dito nesse
parágrafo não pode ser erroneamente colocado como subterfúgios
para delírios inconsequentes de determinismos, como a pobreza produz
criminosos, ou o contrário, mau caratismo independente de suas
relações sociais faz criminosos. Não existe uma essência
criminosa sem história, relações e contradições no mundo social.
A
sociedade excludente que prega o sucesso, o medo do diferente, a
mercantilização da vida, a exploração do trabalho e fecha os
olhos para a miséria, corrupção e ganância das classes
dominantes, exploradoras, dirigentes politicamente é uma sociedade
que produz seus dejetos, depois os expele para as latas de lixo
achando que esse amontoado fétido, deteriorado e podre irá se
regenerar, ou apenas ficará encarcerado, deixando as ruas limpas
para podermos caminhar com nossa ideologia burguesa, propriedade
privada que priva negros, pobres, lumpemproletariados, e demais
segmentos, marginalizados da vida salutar que ainda não foram
defecados, mas estão mergulhados numa massa horrenda dentro dos
ventres desse abutre social.
Colocar
o criminoso fora do mundo, da história e das relações concretas é
essencializar, demonizando-o, colocando a culpa apenas no indivíduo;
dessa forma fica fácil encarcerar achando que solucionou o
problema, quando na verdade ele, o criminoso, é fruto do problema.
Apenas prender não resolve a questão, retira de circulação
temporariamente algumas pessoas que voltaram a continuaram, em sua
maioria, no crime, aumentando e não diminuindo a taxa de
criminalidade.
Nós
criamos essas aberrações criminosas, como elas não são digeridas
pelo ácido da indiferença no estômago tentamos deixá-las nos
intestinos até serem evacuadas, porém, muitas vezes voltam,
atravessam todos o organismo contaminando a já contaminada sociedade
excludente que adoece excluindo e morre com a revolta da exclusão
num trocadilho fúnebre, melancólico e Shakespeariano.
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