quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Justiça e ética paralela- quando pensamos como criminosos sobre justiça.

  
   A enxurrada desgovernada de ideais descem liquefeitas pelas ladeiras da alma, como em dia de chuvas torrenciais o volume incomensurável de ideias caiem pelos becos escuros, sujos e distantes da mente, essas mesmas ideias são sugadas por ralos imaginários e deságuam em mares desconhecidos.    

   Quando escrevemos vemos muitas coisas parecidas com isso, muitos insights são obnubilados de repente, na esquina o carro do raciocínio derrapa e batemos no muro da falta inspiração deixando a respiração ofegante.
    Falar do que é justo é difícil como escrever, boas ideias são esmurradas por punhos da realidade, boas iniciativas são descaracterizadas por colocarem em perigo status quo; opiniões diferente agressivamente varrem com a vassoura da falta de compreensão, opiniões contrárias em relação ao que é justo ou injusto. Se falar de justiça no modo genérico é complexo, no modo específico da segurança pública não é diferente.
    Pena de morte é uma das polêmicas na segurança pública, muitas pessoas acham válido ceifar vidas de pessoas criminosas, outras acham desproporcional e desarrazoado; assim como a pena de morte temos outras questões polêmicas, dentre elas destaco os linchamentos. Muitas pessoas são a favor de linchar criminosos, nos últimos anos recrudesceu o número de linchamentos no Brasil, esse ato aconteceu para os mais variados tipos de crime como furto, roubo e estupro, no meio dessa festa mórbida sobrou até para pessoas “inocentes” que eram suspeitas de atos ilícitos.
    No mundo carcerário também temos valorações de tipos criminais, tem aquelas condutas que não são aceitas, como por exemplo, agressão a mulheres, estupro, pedofilia. Há os crimes mainstream e os underground; roubar, matar, traficar, furtar são atos aceitáveis pelo mundo criminoso, mas agredir mulheres e estuprar não pode, isso é cruel, abominável, coisa de “marginal”.
    Dentro dos antros carcerários desse país ouvimos histórias de estupros e espancamentos de homens acusados de abusar sexualmente de crianças, de baterem em mulheres, idosos. Mesmo no mundo da criminalidade há o que é visto como justo e injusto pelos detentos nas cadeias e penitenciárias, como no filme O Poderoso Chefão há uma axiologia da justiça, como também um código de éticas subterrâneo e paralelo ao kantismo, aristotélico e utilitarista; Dom Corleone não manda matar os homens que espancaram e estupraram a filha do dono da funerária, pois eles não a mataram, seria injusto, ele faz o mesmo que eles fizeram com ela.
    Todos nós temos uma opinião formada sobre justiça em relação a segurança pública, mas não podemos deixar que nossas paixões sejam guias cegas de nossas ações, pois dessa forma faremos o mesmo que os criminosos fazem com sua ética e senso de justiça paralela; temos que colocar a vontade acima dos desejos, e as paixões para dialogarem com a razão, sem abandoná-las em troca de uma razão mecanicista e sem coração.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Falta de moradia e violência.

  
   A prioridade do capital não é a cidadania, principalmente sua faceta social com direito a acesso a educação, saúde, moradia, parte da riqueza produzida socialmente; dentro desse diapasão temos a questão da moradia que é monopolizada por quem tem condição de comprar a propriedade privada, cada vez mais cara devido a urbanização, especulação imobiliária e falta de condições financeiras dos mais pobres.

   A falta de moradia faz com que muitos “sem tetos” lutem por melhores condições de vida e moradia, uma das ações dessas pessoas é a invasão de lugares desocupados, abandonados, isso leva a “violarem” as regras jurídicas burguesas, violentando a propriedade santamente privada; desaguando em uma reação dos proprietários e do Estado, que é representante político das classes dominantes, logo, dos proprietários. Nesse momento temos a ação violenta do poder público agindo com a força da polícia, usada instrumentalmente, para desocupar as áreas “invadidas”.
   Depois da ação do Estado temos a transferência das pessoas sem moradias para áreas periféricas das cidades, ou simplesmente jogadas na roda da fortuna que é desafortunada para elas. Nas áreas periféricas geralmente distante dos centros urbanos e dos locais de trabalho temos falta de saúde, de infraestrutura, educação; em suma, falta de dignidade. A moradia quando é subsidiada pelo poder público é feita as custas do mínimo para uma vida de valorização do ser humano, esse é violentado e mais uma vez a violência sai pelos poros e toma conta de toda a atmosfera.
   Nos setores periféricos onde são jogados os antigos sem teto temos agora um teto dentro de uma égide ainda maior, a égide da desigualdade, falta de oportunidade e acesso ao básico, essa situação cria oportunidade para o recrudescimento da criminalidade em um grupo que já foi criminalizado por lutar por moradia, criminalidade essa que gera mais violência dentro da comunidade onde nasce e nos centros urbanos por onde se espalha; a barbárie criminal tem que ser combatida com veemência pelo poder público, já que a sociedade e os dirigentes o querem assim, isso é feito de forma também violenta sobre os moradores das periferias.
   A questão da moradia é um círculo vicioso e violento que é fruto da virulência social, da desigualdade e dos interesses mesquinhos de quem domina, explora e não quer abrir mão desse mundo gestado nessa sinfonia macabra. A questão da moradia tem que ser revista, isso passa pela questão da saúde, educação, infraestrutura e distribuição de renda. Dando continuidade a esse raciocínio entra também na dança a segurança pública, ela deve deixar de ser apenas chicote do Estado e ser mais uma colaboradora na solução dos problemas que levam a falta de dignidade humana, e não mais uma força bárbara em nome do Estado violentador da já violentada população.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Sujeira e Vidraça

    As paredes sujas, os olhares imundos de pessoas com corpos cheios de lodo, rastejando por putrefatos detritos orgânicos, ferros enferrujados, pisos encardidos, vidas sem brilho. De repente um barulho, nada higiênico ou salutar, apenas um barulho de vômito, palavras sem nexo são expelidas enquanto comida mal digerido é regurgitada nos ouvidos de pessoas crentes em metafísicas e partidos políticos.

    As ruas são becos sem saída, por onde andamos nos perdemos, e nos perdendo nos encontramos em meio a papéis usados, pessoas famintas, marginais loucos, depressões na epiderme que recobrem os espíritos desgraçados; são esses humanos rotos, moribundos e sem banho que passeiam pelas ruas degradas, por essa cidade em pedaços, que diluem sonhos e conspurca nossos porcos corpos já fétidos.
    Uma mosca gigante sobrevoa uma massa gigante de fezes, esse produto que foi expelido por milhares de corpos e está em decomposição na praça central da cidade atrai ratos e todos seres rastejantes, e alados, que saboreiam esse nojento manjar; do outro lado da praça uma vidraça separatista, higienizadora separa esses animalescos seres imundos das pessoas bem nutridas, limpas, vestidas com roupas sedosas, perfumadas, essas pessoas tão ilustres olham com nojo para os seres humanos animalizados e jogados nesse lixão urbano.
    Reza a lenda que um dia a maioria das pessoas foram parecidas com essa minoria isolado dentro da bolha de vidro, que observa de longe a degradação social, moral e corporal dos indivíduos presos no grande lixão humano. O que teria levado o mundo a ficar desse jeito? Muitos se perguntavam, mas a imensa maioria não pensava nisso, o mundo sempre foi assim e sempre será, uns aproveitando a sorte de estar dentro do vidro em um mundo de riquezas, bem estar, e outros se chafurdando nesse chiqueiro. Talvez alguns sejam burros, cegos, ou não querem aceitar a verdade, mas o mundo nem sempre foi assim, ele já foi diferente, e poderia, ou poderá ser também diferente.
    As eleições se aproximam, pessoas brigam para votar no melhor candidato, engraçado, o melhor, ou pior, candidato não vive fora da redoma de vidro, não respira a sujeira, não bebe água ácida, não tem a pele lambida pelo câncer, por parasitas e sujeira; todos os candidatos estão engravatados, limpos, bem alimentos dentro da redoma olhando para essa imundice e esperando os votos ao lado de banqueiros, empresários, fazendeiros e alguns burocratas, intelectuais, meia dúzia de serviçais que vivem na límpida vida envidraçada.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Essencializando o crime e retirando o caráter social e excludente da criminalidade.

  

   A ebulição efervescente no estômago desse indecifrável animal faz com que a azia, a queimação e a má digestão tornem o que era salutar e saboroso em deletério e amargo; eis o mal estar da modernidade penetrando pela epiderme, depois sendo eliminada pela cloaca diarreica dessa sociedade doente.
    Não há cura para doenças criadas pelo próprio enfermo, o moribundo tenta matar o resultado, e não a causa dando essência transcendente a um mal imaginário que causa um mal real, mas realmente é criado socialmente e deve ser analisado nessa perspectiva dentro de uma retrospectiva que olhe para dentro da totalidade social; sem estruturalismo, micro poderes, culturalismo pós isso, pós aquilo; mas dentro de uma visão global das múltiplas determinações do real, da base das relações concretas de produção, de sociabilidade, sem cair nas armadilhas das estruturas sem vida, ou das pulverizações, dos micros e descritivos sem adjetivos ou explicações.
    Quando olhamos questões como tráfico de drogas, furtos, assaltos ou violência contra a mulher, temos uma visão superficial que projeta monstros, delinquentes, inimigos que atuam por serem maus em essência, puro mal caratismo; perguntamos o que os levou a cometerem atos criminosos? E o que é crime em nossa sociedade, por que alguns são condenados e outros não, por que algumas classes, e grupos sociais, tem maior número de pessoas nas grades penitenciárias e outros não?
    Não tem como entender ações criminosas sem entender a sociedade com suas desigualdades, contradições, ideologia individualista, mercantilista, machista, racista que condena mais crimes ligados a determinados grupos sociais do que outros. O que foi dito nesse parágrafo não pode ser erroneamente colocado como subterfúgios para delírios inconsequentes de determinismos, como a pobreza produz criminosos, ou o contrário, mau caratismo independente de suas relações sociais faz criminosos. Não existe uma essência criminosa sem história, relações e contradições no mundo social.
    A sociedade excludente que prega o sucesso, o medo do diferente, a mercantilização da vida, a exploração do trabalho e fecha os olhos para a miséria, corrupção e ganância das classes dominantes, exploradoras, dirigentes politicamente é uma sociedade que produz seus dejetos, depois os expele para as latas de lixo achando que esse amontoado fétido, deteriorado e podre irá se regenerar, ou apenas ficará encarcerado, deixando as ruas limpas para podermos caminhar com nossa ideologia burguesa, propriedade privada que priva negros, pobres, lumpemproletariados, e demais segmentos, marginalizados da vida salutar que ainda não foram defecados, mas estão mergulhados numa massa horrenda dentro dos ventres desse abutre social.
   Colocar o criminoso fora do mundo, da história e das relações concretas é essencializar, demonizando-o, colocando a culpa apenas no indivíduo; dessa forma fica fácil encarcerar achando que solucionou o problema, quando na verdade ele, o criminoso, é fruto do problema. Apenas prender não resolve a questão, retira de circulação temporariamente algumas pessoas que voltaram a continuaram, em sua maioria, no crime, aumentando e não diminuindo a taxa de criminalidade.
    Nós criamos essas aberrações criminosas, como elas não são digeridas pelo ácido da indiferença no estômago tentamos deixá-las nos intestinos até serem evacuadas, porém, muitas vezes voltam, atravessam todos o organismo contaminando a já contaminada sociedade excludente que adoece excluindo e morre com a revolta da exclusão num trocadilho fúnebre, melancólico e Shakespeariano.

sábado, 21 de outubro de 2017

Armando a população e desarmando a razão.



O caminhar bêbado e desastrado dessa centopeia inorgânica chamada sociedade nos faz refletir sobre os tropeços alcoolizados desse inseto gigantesco, que parece cada dia mais pequeno frente ao monumental pessimismo em relação a segurança pública. Antitético a esse pessimismo é o otimismo conservador dos que acham que medidas mais duras, e o uso de armas de fogo pelo cidadão comum, irá diminuir a criminalidade e a violência, não seria aqui contraditória achar que elemento violento diminui a violência?
Um vendaval varre as esperanças, as mais românticas, as mais entusiásticas, talvez aquela menos ideológica e mais próxima do concreto a partir das relações materiais de produção e da dialética sobreviva, ou não. Mas uma coisa é certa, a dúvida, essa incógnita que está por trás das descobertas, desvelando e tornando verdadeiro até mesmo as mentiras mais estúpidas, como essa do fogo contra fogo de nossa época sombria que assombra quem ainda tem uma chama de discernimento nesse eclipse da razão, nessa dialética do esclarecimento.
Muitas pessoas tem o hábito de separar a segurança pública da totalidade social, como um ente transcendente e metafísico, essa fantasmagoria fetichizada passa a agir na sociedade mesmo sendo separada dela, como um deus hebreu, ou um Et “spielbergiano”.
A segurança pública faz parte de uma totalidade e tem múltiplas determinações, assim como a violência, o crime, o judiciário, as artes, a família, times de futebol etc. Dentro dessa perspectiva no caleidoscópio do social podemos afirmar que ações contra a violência e criminalidade, que não passem pelas determinações delas, como educação, má distribuição de renda, legislação, o Estado, a ideologia da classe dominante, a cultura patriarcal e machista, visão conservadora de competição acima de tudo, manutenção das diferenças classista, respostas violentas ao desvio social, e mais algumas que não cabe agora citar pelo espaço aqui já exíguo; ficaria no mínimo pobre, pois sem olhar para a totalidade que faz parte a segurança pública não podemos ter ações totalizantes sobre violência e crime, caindo nas armadilhas do micro, das reformas, e o pior, do fetiche da violência como resposta para os problemas sociais frutos da violação, da precariedade da vida.
Poderíamos listar aqui uma infinidade de pensamentos, ações e propostas descabidas e separadas de uma análise mais profunda da sociedade no âmbito sociológico, histórico, criminológico e jurídico; mas iremos nos ater a uma proposta polêmica, o armamento da população. Muitos são os que proferem palavras mortíferas contra a indolência do Estado no controle social da criminalidade, dentre essas vozes há aquelas que acreditam que armando a população teremos defesa contra assaltos, para ficar apenas em um tipo de crime. Essas pessoas se esquecem que o armamento da população leva ao aumento de armas circulando, mais armas leva a mais mortes, mais suicídios, mais homicídios em brigas de torcidas organizadas, em brigas de trânsito; mais feminicídio, mais crianças armadas em escolas ceifando vidas juvenis.
Armar a população é dar munição para o canhão da violência, seja ela de trânsito, doméstica, político, conflito agrário, ou mesmo bullying escolar. Não se apaga um fogo atirando álcool, dessa forma aumentamos o incêndio e nos embriagamos com ideias desconexas com a realidade social, nos levando a dar passos bêbados como o da centopeia desgovernada na ladeira da modernidade.
A razão separada do afetivo e de análises mais amplas e profundas nos leva ao irracional, ou a razão instrumental, que torna a razão apenas um meio, um instrumento de finalidades desumanas,  mercadológicas, estatais, violentas, que não veem o ser humano como fim em si mesmo, mas como meio, sem dignidade, mas com preço, como diria Kant.


domingo, 8 de outubro de 2017

Gelo e Polícia, problemas quentes e ações gélidas.



O gelo parece eterno, ele desagua e inunda as esperanças, tentamos enxugar as águas gélidas que escorrem pelas frestas dos dedos, desesperadamente, mas não obtemos êxito, mesmo sendo excepcionais enxugadores de gelo.

A polícia é uma ótima enxugadora de gelo, como se diz popularmente por aí, pois ela não vai ás raízes dos problemas, fica na superfície, para não dizer nas consequências, pois ao combater o crime não estamos combatendo os problemas, entretanto, estamos combatendo as consequências dos problemas.
Ao ver o crime como problema primeiro caímos no engano de estarmos resolvendo as mazelas da sociedade no que se refere a segurança pública; não é em vão que policiais se frustram ao lutarem contra a criminalidade e não verem muito resultado nisso.
No campo dos discursos temos uma guerra verbal em torno das soluções viáveis na área de segurança pública, e muitas vezes as soluções dos governos são policialescas, já que não deram conta, pelos mais variados motivos, de equacionar os problemas sociais, socioeconômicos, educacionais etc. Com isso tratam o social de forma criminal. Nesse contexto quem é contrário a essas ações faz duras críticas as ações policiais, que por sua vez, fazem críticas aos “utópicos” acadêmicos com seus projetos a longo prazo.
O gelo está derretendo, o calor que emana da indiferença com as desigualdades, com a má escolaridade, falta de cidadania na forma mais ampla da palavra, tudo isso derrete o cubo gélido, temos que enxugá-lo para não afogarmos nas águas violentas da criminalidade. A curto prazo não tem como parar a máquina policial, ela é o suporte entre a civilização bárbara e a criminalidade civilizada. Porém, se a longo prazo não tomarmos medidas mais democráticas de participação autogestionária, com distribuição mais justa de renda, com escolaridade de qualidade, e para todos, talvez não tenhamos nem força policial mais que dê conta do recado; vamos naufragar nessas águas mortíferas que se liquefazem no calor a partir do gelo que enxugamos eternamente, com os serviços da polícia que não deixa a população se afogar, mas não contribui para o fim desse cubo gélido dentro da sala, que derrete e sempre se refaz, recrudesce e não para jamais.