As
paredes sujas, os olhares imundos de pessoas com corpos cheios de
lodo, rastejando por putrefatos detritos orgânicos, ferros
enferrujados, pisos encardidos, vidas sem brilho. De repente um
barulho, nada higiênico ou salutar, apenas um barulho de vômito,
palavras sem nexo são expelidas enquanto comida mal digerido é
regurgitada nos ouvidos de pessoas crentes em metafísicas e partidos
políticos.
As
ruas são becos sem saída, por onde andamos nos perdemos, e nos
perdendo nos encontramos em meio a papéis usados, pessoas famintas,
marginais loucos, depressões na epiderme que recobrem os espíritos
desgraçados; são esses humanos rotos, moribundos e sem banho que
passeiam pelas ruas degradas, por essa cidade em pedaços, que diluem
sonhos e conspurca nossos porcos corpos já fétidos.
Uma
mosca gigante sobrevoa uma massa gigante de fezes, esse produto que
foi expelido por milhares de corpos e está em decomposição na
praça central da cidade atrai ratos e todos seres rastejantes, e
alados, que saboreiam esse nojento manjar; do outro lado da praça
uma vidraça separatista, higienizadora separa esses animalescos
seres imundos das pessoas bem nutridas, limpas, vestidas com roupas
sedosas, perfumadas, essas pessoas tão ilustres olham com nojo para
os seres humanos animalizados e jogados nesse lixão urbano.
Reza
a lenda que um dia a maioria das pessoas foram parecidas com essa
minoria isolado dentro da bolha de vidro, que observa de longe a
degradação social, moral e corporal dos indivíduos presos no
grande lixão humano. O que teria levado o mundo a ficar desse jeito?
Muitos se perguntavam, mas a imensa maioria não pensava nisso, o
mundo sempre foi assim e sempre será, uns aproveitando a sorte de
estar dentro do vidro em um mundo de riquezas, bem estar, e outros se
chafurdando nesse chiqueiro. Talvez alguns sejam burros, cegos, ou
não querem aceitar a verdade, mas o mundo nem sempre foi assim, ele
já foi diferente, e poderia, ou poderá ser também diferente.
As
eleições se aproximam, pessoas brigam para votar no melhor
candidato, engraçado, o melhor, ou pior, candidato não vive fora da
redoma de vidro, não respira a sujeira, não bebe água ácida, não
tem a pele lambida pelo câncer, por parasitas e sujeira; todos os
candidatos estão engravatados, limpos, bem alimentos dentro da
redoma olhando para essa imundice e esperando os votos ao lado de
banqueiros, empresários, fazendeiros e alguns burocratas,
intelectuais, meia dúzia de serviçais que vivem na límpida vida
envidraçada.
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