Acendo um cigarro, ligo o carro,
a música é a velha canção do Roberto, os detalhes de minha vida se confundem
com os da música, a melodia acende uma fogueira em minha alma, tudo gira
confuso em meus pensamentos, tudo se agarra sem desespero ao passado e arrota
poesias sem sentido de futuro.
As luzes da cidade brilham em
mim, a escuridão lá fora faz parte da escuridão que reina nessas linhas, a
música já é outra, a melancolia da letra continua, não combina com meu desejo
tolo por alegrias, mentiras sinceras, quero tudo aquilo que o dinheiro não pode
comprar, quero tudo o que não existe de verdade.
Gozar falsos sorrisos, lembrar de
momentos juvenis, tocar o céu com a língua e morder pedaços de lua como sonhos
cheios de doces, carregar a culpa do mundo dentro da consciência, precipício
sem amor.
Abro os olhos, prostitutas
passeiam na noite, garotos em buscas de aventura, mulheres sem platonismo, os
olhos do autor fitam o obscuro mundo, a
fumaça do cigarro embaça minha visão, vejo agora borboletas coloridas, desenhos
em preto e branco, guerras atômicas, escândalos políticos, heresias espaciais,
amores medievais, constrangimentos gratuitos, dores no infinito, prazeres
mundanos, paixões na imensidão. Vejo a escuridão, me sega a vontade correr, a
fumaça do cigarro se mistura a meus devaneios sem freios, freio o carro, na
esquina um vazio, dentro de mim um nada.
Agora toca Rotina, Roberto canta
com sua breguice disfarçada, seu romantismo perdido no tempo, o tempo louco, o
tempo que leva toda a beleza, que traz obscenos pensamentos, o tempo mergulha
na fumaça do cigarro, o carro não para, a noite tudo é mais calmo.
Um bar, paro, entro, sento, uma
bebida, gelada como os corações mais malvados, fria como meu olhar em dia de
domingo, bebo sem vergonha, bebo o álcool amargo, a cerveja desliza por minha
garganta, a cerveja me faz sorrir. Naquele bar eu olho os tipos, casais, gays,
héteros, pessoas comendo, pessoas chorando, pessoas de todo tipo de...O carro,
já estou fora do bar, meus olhos ainda estão fitando a loira de vermelho, o
carro corre louco, sem preguiça pelo asfalto, a fumaça toma conta de mim, fumo
as alegrias reprimidas.
A música ainda é do Roberto, a
noite já não é mais minha, tudo já foi, tudo acabou, rasgo as veias desse
monstro urbano, paro em frente aquela mulher, seus cabelos ruivos, sua boca
falando indecências. Estou sufocado, quero gritar, quero correr, pego um livro
para ler, enquanto reflito sobre o mundo esqueço do mesmo, a ruiva aparece em
minha frente, seus gemidos, aquela noite.
Embriagado de tanto viver pulo
pelo espaço sideral, caio no meio do quintal de alguém, saio de mim, entro
dentro dos longos beijos molhados, a ruiva morde o amor, morde meu corpo, faz
do sexo brinquedo sem igual.
O carro não para, enquanto fico
acordado penso se a vida é mesmo necessária, o existir é mesmo algo planejado,
enquanto penso meu pé pisa no acelerador, o carro corre, uma pessoa, de
repente, um grito, um barulho, uma batida. O sangue escorre por todo lado,
sirenes, ambulâncias, enquanto o sangue escorria pelo meu corpo, eu vibrava,
algo estúpido, atropelei alguém. No fim tudo é humano, mesmo a desgraça, mesmo
a solidão, mesmo eu. No fim não há fim.
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