Sempre
que vejo manifestações e protestos contra o governo me vem lembranças nostálgicas
de obras de arte e momentos históricos eternizados em narrativas literárias e
películas memoráveis. Temos o impulso de ficarmos do lado da população
protestante, não confundir com evangélicos, pelo motivo de vermos sempre o
Estado como Leviatã, vilão, explorador e devorados de corpos de cidadãos mais
miseráveis, com menos poder político e mais ignorantes, mas temos as pessoas
que também tem o impulso contrário, geralmente tidas como conservadoras essas
pessoas geralmente incriminam as manifestações colocando elas apenas como
desnecessárias, palanque para demagogia e locomotiva para vandalismos e crimes
dos mais variados tipos.
Quando
adolescente tive o prazer de ler na biblioteca do colégio estadual Bandeirantes,
em Goiânia, a volumosa, épica e descomunal obra literária do romântico francês
Victor Hugo intitulado OS MISERÁVEIS, livro que narra a saga de Jean Valjean,
Cosette e Marius. Não vou me estender aqui na obra, sumariamente posso dizer
que ela conta a história de Valjean, um condenado a trabalho forçado por ter
roubado pão e nos leva aos desdobramentos de sua riqueza, seu acossamento pelo
inspetor Javert, a exploração infantil da órfão Cosette e sua libertação pelas mãos
do agora rico, porém ainda perseguido, Valjean. Mas o momento que mais nos interessa
aqui é quando estoura os movimentos revolucionários na França de 1830, a
contestação política leva a insurreição da população parisiense e formação das
famigeradas barricadas de Paris, onde se deu o confronto entre civis e forças
repressoras do Estado, utilizando um jargão weberiano e utilizado com tom
pejorativo pelos marxistas. As barricadas mostram a luta por direitos
políticos, contestação política, insatisfação popular e a repressão do Estado,
vendo com uma certa distância somos tomados por um ideal romântico de apoio a
aqueles insubordinados, miseráveis e “nacionalistas”, porém eu me pergunto, e
pergunto a você leitor que ousa a metralhar com seus olhos ansiosos e gulosos
por novidade, se olharmos para nossas manifestações mais recentes,
manifestações contra a copa do mundo, contra o aumento da passagem de ônibus
por exemplo, com seus tumultos, vandalismos, abusos por parte do Estado,
depredações, não estaríamos vendo um movimento com características parecidas
com a do livro do velho Hugo?
Quando
falamos das manifestações atuais no Brasil somos tomados logo de início por
duas opiniões bem contrárias e com defensores apaixonados, de um lado pessoas
que defendem inexoravelmente as manifestações como bandeiras democráticas e constitucionais,
como direitos inalienáveis e fundamentais de uma democracia, essas pessoas
também são contra qualquer tipo de criminalização ou críticas as manifestações
democráticas, justas e necessárias. Por outro lado, como num maniqueísmo
religioso, temo os de opinião de que as manifestações são extremante criminosas,
antidemocráticas e que servem apenas como subterfúgios para as explosões de
bombas de vandalismo, locomotiva para vagões de marginalidade, crime e
desordem. Entre os dois lado extremistas há a corrente dita de bom senso, ou
que pelos tenta ser, ela vê a efervescência dos movimentos populares sociais e
políticos com bons olhos, a priori, pois são manifestações do descontentamento
dos cidadãos com mazelas, desmandos e abusos advindos ou promovidos pelo Estado com sua
ação ou omissão, mas essa vertente também vê o lado criminoso, não das
manifestações em si, mas de alguns indivíduos, ou grupos, infiltrados nas manifestações
com intuito de promover balburdia, vandalismo e demais crimes.
É
difícil fechar os olhos para ônibus depredados, lojas saqueadas, policiais e
jornalistas feridos, incluído nessa
lista uma morte de um cinegrafista da rede Bandeirantes, de outro lado não
podemos negar o direito constitucional, social e político d liberdade de
expressão, manifestação que a democracia, mesmo com toda as suas limitações e infortúnios,
promove e nos garante, daí vem a angustia existencial e fenomenológica sartreana
da liberdade em tomar partido, em deliberar, o “ser ou não ser” do Hamlet
shakespeariano, incriminar ou apoiar tal ação, atitude e vontade? Olhar apenas
os abusos do Estado, olhar apenas os crimes de uma minoria, dar voz aos anseios
populares em forma de protesto em manifestações, coibir tais atos?
O
excesso de interrogação acima é coerente com o excesso de extremismos de ambas
as perspectivas aqui analisadas, compreender a caótica realidade é nossa
intenção quase hercúlea de dar uma ordem cósmica em nossa consciência a essa realidade
que, em si, nos escapa e é desorganiza, mostra como é grandiosa a ação de
pensar e tentar agir politicamente em um mundo cada vez mais apático
politicamente. O texto aqui não traz soluções, não traz salvação e nem o passo
a passo para a felicidade, pois não é um livro religioso, de auto ajuda ou
panfletário, é apenas um cuspe quase literário de uma mente condicionada pelo “sociologismo”
de redes sociais, por memória nostálgica de leituras literárias e por um gosto
pelo debate na vida pública que vai além do sexo oral no Big Brother da rede
globo ou fofocas da revista Caras.
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