Enquanto
expelia liquido de meu corpo em um recipiente sanitário observava uma torneira
pingando água, os pingos caiam como mágica e deslizavam dentro pia naquela
manhã fria, que logo se transformou em um dia ensolarado quase infernal no
cerrado. Os pingos d’água me lembraram, a priori, a seca no nordeste que vem
fazendo parte da vida dos nordestinos desde o século XIX, mas se transformou em
moeda política e matéria eterna na mídia brasileira, depois como um furacão
veio a imagem da seca no sudeste, ou melhor, da falta de água potável em São
Paulo, capital, mas a seca do nordeste sempre foi pensada como problema
regional, seja ambiental e natural ou seja como político, falta de investimento
governamental para solucionar o problema, já o caso de São Paulo tomou outra
forma, vem como problema nacional, é
vendido assim, está ligado as mudanças climáticas e também a falta de
investimento governamental para reparar esse problema escatológico, o caso
paulistano vem com rótulo de crise hídrica e que pode se instalar em qualquer
estado da federação, ao contrário do caso nordestino que era apenas REGIONAL! A
crise nos amedronta, falar em crise seja econômica, relacionamento, crise de
água, tudo nos leva ao medo e ao pânico, começamos a pensar em visões apocalípticas
bíblicas, cinematográficas, no Mad Max, no apocalipse now brasileiro. Essa
crise hídrica em São Paulo vem no contexto de outras crises, como a crise de
paradigmas das ciências, própria da pós modernidade, ou modernidade tardia como
querem alguns, crise de corrupção, crise de segurança pública, o medo da violência
nunca esteve tão forte, enfático e generalizado, e essa crise de segurança não
é regional, como a seca nordestina é vendida pela mídia, ela é nacional, como é
colocada a crise de água de São Paulo, crise que se alastra pelo imaginário e
cria pânico na população, mesmo assim a polícia ainda é atacada como violenta,
truculenta e como força armada do Estado que só serve aos interesses do
Leviatã, como fica essa situação na prática?
Há
uma corrente que coloca o problema da segurança como sendo socioeconômica, essa
corrente, ( ou correntes, pois na verdade ela se espalha por algumas ‘mentalidades”
diferentes que tem esse argumento em comum) coloca o aumento das desiguales
sociais, o desemprego, o consumismo, a política econômica neoliberal dentre
outros aspectos como sendo as bases do aumento da violência, logo grande parte
dos criminosos seriam vítimas do sistema, produtos da exploração capitalista ou
atores de um teatro trágico encenado nos palcos do mercado, do capital. Dentro dessa perspectiva o serviço policial
seria apenas um serviço de higienização, serviria apenas para limpar a sujeira
do sistema, retirando pobres, negros e outros excluídos das ruas e trancafiando
em prisões, levando a pobreza miserável, marginal e perigoso para lugares
distantes da população consumista, burguesa e branca. Já em outra ponta dessa
corda de ideologias e imaginários sociais há as correntes conservadoras que
colocam o problema segurança ligada a vagabundagem apenas, falta de incentivo,
falta de investimento do Estado, e algumas até olham a questão sócio econômica,
mas as desigualdades sociais ficam aqui como coadjuvante, apenas um tempero na
carne do que já estava desgraçada pelas escolhas dos marginais.
Polêmico
e efervescente o tema aqui exposto em linhas acima causa discussões acaloradas,
paixões e gritos de alerta, nesse contexto vemos que a polícia hora é heroína,
hora vilã, mas dificilmente é vista como ela realmente é, apenas mais uma
instituição social que cumpre seu papel, pois a polícia não criou o desemprego,
não criou as diferenças sociais, não criou os guetos e periferias para onde pessoas são empurradas como gado
pela economia de mercado e por falta de investimento do Estado, a polícia não
cria propagandas e uma mentalidade consumista que exclui populações pobres do
sonho de consumo, nem cria políticas neoliberais, a polícia cumpre com seu
papel, investiga crimes, faz patrulhas ostensivas para prevenir crimes, isso
não quer dizer que as vezes não haja excessos, violência, que muitos dos que
são presos sejam pessoas de baixa renda, mas isso é mais fruto da estrutura
social, econômica e cultural do que da polícia, a instituição policial não pode
se negar a combater o crime, estaria cometendo crime também se o fizesse assim
e estaria deixando a população a mercê de criminosos. Agora vem a pergunta
contundente, pontiaguda como a realidade que nos fere cotidianamente, se temos consciência
que parte da violência é fruto de problemas socioeconômicos e a polícia não
pode parar de fazer seu serviço como faremos para humanizar essa polícia?
No
parágrafo acima deixei a dúvida, que é a melhor forma de cutucar o lado
argumentativo e criativo, a dúvida que nos dilacera e corrói nossas entranhas é
das entranhas do social que temos que tirar possíveis soluções ou pelo menos
possíveis possibilidades para o problema da segurança, eu mesmo não tenho
soluções, tenho dúvidas, mas vejo possibilidades. Fica explicito e clarividente
como a luz solar que devemos mudar politicas sociais, investimento que nos
levem a uma melhor distribuição de renda, investimento em ações sociais,
educacionais, medidas que tragam mudanças culturais e de mentalidade, o Estado,
assim como a iniciativa privada, devem abraçar essa mudança contribuindo com
projetos que deem possibilidades para jovens carentes, melhorar a infraestrutura
de bairros periféricos dando mais dignidade as pessoas, tudo isso poderá
possibilitar uma sociedade menos desigual, menos pobre, menos violenta, isso
nos projetará uma sociedade com uma outra mentalidade sobre questões de
segurança e direitos humanos, contribuirá para um policiamento mais
comunitário, humano e menos excludente, ou seja, que trate com igualdade os
diferentes grupos sociais. Mas quem é da área de segurança sabe que temos
problemas internos e específicos que não vou abordar aqui devido a complexidade
e o espaço, mas posso enumerar alguns como divisões entre polícias civis e
militares nos estados, falta de carreira única, falta de incentivo e
investimento de forma geral pelos governos em segurança e áreas afins como
educação.
Precisamos
de uma polícia mais humana e de uma sociedade mais segura, porém devemos
começar a construí uma sociedade mais educada, menos desigual, combate a
corrupção, participação popular, participação da iniciativa privada e mudança
de prioridade do Estado devem estar nessa agenda que não é mágica e nem
utópica, mas é difícil, trabalhosa e requer o engajamento da população.
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