A chuva caia lenta e fria, de dentro do carro com os vidros
fechados ele via o homem negro puxando seu carrinho cheio de papelão, lata e outras
coisas sujas e encharcadas de água da chuva, o homem do carrinho não parecia
triste, parecia um pouco cansado e com frio, mas não parecia ser daqueles que
bebia vinho e ouvia Chopin melancolicamente, a chuva caia e o sinal abria, o
semáforo não parava em dias de chuva, Carlos segue seu rumo, o carro abre
caminho por ruas onde corre uma enxurrada.
A casa escura, um som ao fundo, uma música dos Beatles, na
escuridão o som chega a ser fantasmagórico, sendo dos Beatles é no fundo
mágico, Carlos anda com medo de esbarrar em algum móvel, liga a luz e vê algo
inusitado em sua sala, uma mulher nua o esperava, ali mesmo eles fazem de seus
corpos dois condutores de prazer, ele morde e beija o corpo moreno de Cristina,
ela passa sua língua pelo corpo de Carlos como se tomasse um sorvete, ele a
coloca de quatro sobre o sofá e enfia seu membro com força, puxando seus
cabelos ele movimento atomicamente seu corpo empurrando as nádegas de Cristina
com sua pelve, ela gemia de prazer enquanto ele empurra cada vez mais rápido
seu pênis pela vagina dela. Novamente ele se lembra do carrinho de papelão,
agora que Cristina se foi ele se entrega as músicas eruditas e ao vinho barato,
pensa na solidão, na falta de perspectiva, pensa na revolução, a melancolia não
atingiria o peito do catador de papel como dilacerava o peito de Carlos naquele
momento, o que ainda o animava um pouco era saber que uma hora antes estava
excitado e gozando freneticamente a vida.
A mesma esquina, só que agora o sol lambe as almas que
trafegam pelas ruas, o ar quente não aflige mais, o céu azul não tem o tenebroso
aspecto do cinza pintado no dia anterior. Onde estaria agora aquele catador de
papel? Perguntava-se Carlos enquanto o semáforo exibia o vermelho, a imagem do
homem tomando chuva e empurrando o carrinho ficou marcada na memória de Carlos,
o semáforo ficou verde, ele vai embora, com ele a dúvida e a curiosidade sobre
o ser humano que povoava sua mente.
Liga a televisão, com o copo de vinho barato comprado no
mercado ele assiste mecanicamente os canais da tevê aberta, sangue, pus, vidro,
perdão, beijo, tesão, morte, desgraça, graça, risos, deus, demônio, furacão,
magia, emoção, tudo vibrando em imagens em sua frente, mas ele só consegue
pensar no homem empurrando o carrinho cheio de papelão, enquanto o carrinho
estava cheio o carro de Carlos tinha apenas ele, um homem vazio, o copo de
vinho enche o vazio dentro dele, fora dele tudo está cheio, cheio de tudo que
falta nele.
Sentado no sanitário ele descarrega dentro do privado tudo
que é desnecessário ao seu organismo, organicamente ele pense no juízo, não no
final, mas no meio, no caminho, pensa sobre o inferno que é esse vazio dentro
de um ser, como preencher com vida de um ser que mais se parece um mineral? Com
o jornal na mão aberto nos classificados Carlos olha para a janela do banheiro,
ainda sentado no sanitário ele percebe a luz que penetra no vidro e sente uma
pequena alegria, um sorriso discreto metamorfoseia a face do homem defecando.
Uma corda, um corpo pendurado, uma música do Pink Floyd
rolando, a luz do sol deu lugar ao cinza da chuva, ela cai lentamente fazendo
um barulho sonífero no telhado da casa, o corpo pendurado balança solitariamente
enquanto a chuva cai sobre a casa. O corpo de Carlos ficou pendurado o dia todo
sem que ninguém desse falta dele no universo, o mesmo pelo qual ele tinha
alergia, quando foi encontrado já estava meio deformado, havia uma beleza
grotesca e mórbida no sorriso do corpo, ele morreu sorrindo, morreu imitando o
catador de papel.
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