O cigarro na boca, a fumaça pairava no ar, a desgraça pairava
nas savanas, nas cidades, nas idades mais jovens, nos humores mais velhos, na
América, na cidade jardim, em todos os lugares havia lugar para a fumaça, para
a indecente felicidade, mas naquele lugar a fumaça do cigarro subia em uma
atmosfera fúnebre, o corpo aberto a facadas dizia isso sem pronunciar uma
palavra.
Com o cigarro na boca ele olhava para o corpo indiferente,
olhava para aquela vítima, magra, suja de terra, sangue e vergonha,
provavelmente um viciado em entorpecente entorpecido eternamente pela lâmina de
uma faca de cozinha, mais vagabunda que a vida da vítima. Próximo ao corpo
havia mais sujeira, poucos móveis na casa, se é que poderia ser chamada de casa
aquela coisa na qual se encontrava o corpo putrefato e cheio de sangue. Uma
pessoa se aproxima, falava rápido e desengonçado, palavras sem nexo, pouco
sentido, mas quem acha sentido na vida? Na fala daquele jovem havia pistas
sobre o assassinato de Miguel, sim, o nome do corpo era Miguel, um rapaz moreno
de dezessete anos viciado em crack, gostava de chocolate, pornografia, ler a
bíblia e beijar homens e mulheres ao mesmo tempo. O homem com cigarro na boca
anota as informações, pistas, pegadas sólidas que se desmanchavam no ar como a
frase de Marx.
Em casa ouvindo star
man na voz do andrógeno e camaleão Bowie Carlos fumava e pensava no corpo
achado naquela manhã, mais um ser sem mais importância, um viciado que morrera
por acerto de alguma dívida envolvendo droga, a voz de Bowie o excitava a
pensar no espaço sideral, no enigmático, um rocambole desgovernado de cores o
levava a refletir sobre o infinito, deus, et’s, um céu sem paraíso, um infinito
de possibilidades, aquele corpo era apenas mais um entre muitos que irão ser
devorados por vermes.
Sirenes, gritos, uma correria, a noite era assim em uma grande
cidade, em um grande inferno noturno, ele gostava disso, mais uma noite
interrogando prostituas, pessoas que estavam se embriagando próximos ao local
do crime, mais um corpo, uma mulher foi estuprada e morta, o sangue ainda
pulsava vida, um vermelho vibrante, o cigarro na boca, vício rotineiro, Carlos
sente um pouco pela pessoa deitada sem vida na calçada, ele não sentira o mesmo
pelo corpo encontrado um dia antes em uma casa velha, no fundo o que ele sentia
não fazia diferença, era apenas mais uma vítima sem vida que seria entregue a
putrefação, o cigarro chega ao fim, assim como a vida das duas vítimas.
O mundo onde os fracos não tem vez, era uma vez, histórias
entrecortadas, gozos, pus, novelas, crimes, baratas, documentos fajutos, sedes
de sangue, banalidades constantes, sem controle, insano, insalubre, calibres
diferentes, a vida de um policial caminhando dentro de homicídios em um mundo
que sempre foi violento, os romanos jogavam pessoas para serem devoradas por
leões, medievais empalavam hereges, bruxas eram queimadas, guerras ceifavam
vidas jovens, nas cidades grandes não era diferente, Carlos olha para o céu,
parece que vai chover, mais água abençoada sobre o inferno divino criado pelo
acaso no caos sem nome.
Enquanto transa com aquela mulher ele se lembra de mais uma
vítima, ele começa a ficar paranoico com seu trabalho, a noite não dome, ouve
vozes, parecem sair de algum cemitério, parece que aquele viciado fala com ele
a noite, Carlos está enlouquecendo, não aguenta mais nem gozar na boca da
prostitua barata sem pensar no assassinato do dono da panificadora, ele está tomado
pela rotina homicida, nem o café e o cigarro salvam Carlos dos delírios com
seus fantasmas cheios de pus, cheios de sangue, cheios de nada, a morte
persegue Carlos com vozes demoníacas.
Remédios, álcool, cigarros acesos a toda hora, noites mal
dormidas, um ano sem trabalhar, licenças médicas, ele agora caminha sozinho a
noite, já que a insônia abraça seu corpo sem vergonha, para em uma rua escura,
um bar pisca ao longe, ele caminha até o “boteco”. Sentado em uma cadeira
metálica com um símbolo da Skol ele bebe uma dose de algo alcoólico, de algo
que desce rasgando sua garganta, mecanicamente acende um cigarro, na mesa ao
lado uma loira e um rapaz moreno conversam, se beijam, sorriem, como a
felicidade deles incomoda Carlos, ele olha sem interesse para os dois, pasmem,
são os dois corpos que Carlos havia visualidade em investigações há um ano antes,
eram iguais, eram eles, eram parecidos, Carlos fica paranoico, sai correndo do
bar, na rua ele continua sua odisseia atlética até ser parado por um ônibus.
Atropelado pelo ônibus, Carlos agora era apenas mais um corpo destinado a ser
comido por vermes.
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