quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

MAIS UM CORPO



O cigarro na boca, a fumaça pairava no ar, a desgraça pairava nas savanas, nas cidades, nas idades mais jovens, nos humores mais velhos, na América, na cidade jardim, em todos os lugares havia lugar para a fumaça, para a indecente felicidade, mas naquele lugar a fumaça do cigarro subia em uma atmosfera fúnebre, o corpo aberto a facadas dizia isso sem pronunciar uma palavra.
Com o cigarro na boca ele olhava para o corpo indiferente, olhava para aquela vítima, magra, suja de terra, sangue e vergonha, provavelmente um viciado em entorpecente entorpecido eternamente pela lâmina de uma faca de cozinha, mais vagabunda que a vida da vítima. Próximo ao corpo havia mais sujeira, poucos móveis na casa, se é que poderia ser chamada de casa aquela coisa na qual se encontrava o corpo putrefato e cheio de sangue. Uma pessoa se aproxima, falava rápido e desengonçado, palavras sem nexo, pouco sentido, mas quem acha sentido na vida? Na fala daquele jovem havia pistas sobre o assassinato de Miguel, sim, o nome do corpo era Miguel, um rapaz moreno de dezessete anos viciado em crack, gostava de chocolate, pornografia, ler a bíblia e beijar homens e mulheres ao mesmo tempo. O homem com cigarro na boca anota as informações, pistas, pegadas sólidas que se desmanchavam no ar como a frase de Marx.
Em casa ouvindo star man na voz do andrógeno e camaleão Bowie Carlos fumava e pensava no corpo achado naquela manhã, mais um ser sem mais importância, um viciado que morrera por acerto de alguma dívida envolvendo droga, a voz de Bowie o excitava a pensar no espaço sideral, no enigmático, um rocambole desgovernado de cores o levava a refletir sobre o infinito, deus, et’s, um céu sem paraíso, um infinito de possibilidades, aquele corpo era apenas mais um entre muitos que irão ser devorados por vermes.
Sirenes, gritos, uma correria, a noite era assim em uma grande cidade, em um grande inferno noturno, ele gostava disso, mais uma noite interrogando prostituas, pessoas que estavam se embriagando próximos ao local do crime, mais um corpo, uma mulher foi estuprada e morta, o sangue ainda pulsava vida, um vermelho vibrante, o cigarro na boca, vício rotineiro, Carlos sente um pouco pela pessoa deitada sem vida na calçada, ele não sentira o mesmo pelo corpo encontrado um dia antes em uma casa velha, no fundo o que ele sentia não fazia diferença, era apenas mais uma vítima sem vida que seria entregue a putrefação, o cigarro chega ao fim, assim como a vida das duas vítimas.
O mundo onde os fracos não tem vez, era uma vez, histórias entrecortadas, gozos, pus, novelas, crimes, baratas, documentos fajutos, sedes de sangue, banalidades constantes, sem controle, insano, insalubre, calibres diferentes, a vida de um policial caminhando dentro de homicídios em um mundo que sempre foi violento, os romanos jogavam pessoas para serem devoradas por leões, medievais empalavam hereges, bruxas eram queimadas, guerras ceifavam vidas jovens, nas cidades grandes não era diferente, Carlos olha para o céu, parece que vai chover, mais água abençoada sobre o inferno divino criado pelo acaso no caos sem nome.
Enquanto transa com aquela mulher ele se lembra de mais uma vítima, ele começa a ficar paranoico com seu trabalho, a noite não dome, ouve vozes, parecem sair de algum cemitério, parece que aquele viciado fala com ele a noite, Carlos está enlouquecendo, não aguenta mais nem gozar na boca da prostitua barata sem pensar no assassinato do dono da panificadora, ele está tomado pela rotina homicida, nem o café e o cigarro salvam Carlos dos delírios com seus fantasmas cheios de pus, cheios de sangue, cheios de nada, a morte persegue Carlos com vozes demoníacas.
Remédios, álcool, cigarros acesos a toda hora, noites mal dormidas, um ano sem trabalhar, licenças médicas, ele agora caminha sozinho a noite, já que a insônia abraça seu corpo sem vergonha, para em uma rua escura, um bar pisca ao longe, ele caminha até o “boteco”. Sentado em uma cadeira metálica com um símbolo da Skol ele bebe uma dose de algo alcoólico, de algo que desce rasgando sua garganta, mecanicamente acende um cigarro, na mesa ao lado uma loira e um rapaz moreno conversam, se beijam, sorriem, como a felicidade deles incomoda Carlos, ele olha sem interesse para os dois, pasmem, são os dois corpos que Carlos havia visualidade em investigações há um ano antes, eram iguais, eram eles, eram parecidos, Carlos fica paranoico, sai correndo do bar, na rua ele continua sua odisseia atlética até ser parado por um ônibus. Atropelado pelo ônibus, Carlos agora era apenas mais um corpo destinado a ser comido por vermes.

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