Escrever, colocar no lugar antes branco um colorido de uma
vida, manchar com palavras a vida, dá um tom de vermelho as paixões, ao sangue
derramado na esquina, pintar de cinza as emoções reprimidas, ao olhar de um dia
de chuva, ao psicodélico choro melancólico ao som de pink Floyd, escrever é gozar, é chorar, escrever é desabafar coisas
nunca sentidas, é sentir algo como se não fosse real, é ver a realidade fantasiosamente,
é brotar da terra dos sonhos cuspindo pesadelos, escrever é mágico, é o mundano
sobrenatural, é a metafísica do desencanto, é a corneta do apocalipse antes do
desencontro.
Escrever é traçar com linhas tortas vidas amargas, é deslizar
letras que buscam o doce das palavras, descrever o mundo sem juízo, o prejuízo
de vidas felizes, todo escrever é dor, amor, rancor, perdão, todo escrever é
lembrar, é esquecer, escrever é repetir o inédito, é o que não muda abaixo do
sol, mesmo quando as trevas mudam nossa escrita.
Escrever é narrar aquilo que passa pela minha mente quando
vejo a cor amarela, o amarelo me lembra o táxi, foi no táxi que encontrei
aquele homem, sua fala irônica, seu modo debochado de encarar as desgraças da
vida, foi ali que o vi pela primeira vez, desde então minha vida cruza com a
dele, entre encontros e desencontros, entre sinais fechados, aberturas
apocalípticas, eclipses da razão, a desrazão da ótica psicodélica, se falo sem
nexo deve ser por que não havia lógica no mundo dele.
Um som, uma nostalgia, me lembrei de dias de chuva, de meu ex
namorado, ciúmes, pouco diálogo, me lembrei de minha mãe, aquela mulher com
gosto de socialismo misturada com judaísmo e vinho. Meus cabelos loiros soltos
soltavam o peso de minha memória, agora estava com gosto de uva na boca,
saudade nos olhos e uma imagem, a imagem do homem que conheci em um táxi, o
amarelo, a música, o comunismo de minha mãe, o realismo fantástico de minhas
leituras, gostaria de revê-lo, como era constrangedor saber que ele era irresistível,
seus beijos saborosos, seus abraços apertados, sua visão exagerada, suas
leituras de Machado, sua libido desenfreada, como era gostoso mergulhar em seus
braços, gozar olhando para seus olhos castanhos ou de costas com ele puxando
meus cabelos loiros, sedosos e todos entregues a suas mãos.
Escrever é passar pelas torturas da mente, por ditaduras da
liberdade sem volta, cair no abismo sem gritar é ato de coragem, o escuro do
abismo é descrito com escritas corajosas, minha angustia, saber que a morte é o
limite, não ter resposta para a vida, não ter alternativa ao capitalismo, tudo
isso é descrito por minha mente, escrito por minhas mãos, mas o amor reprimido,
o desejo escondido, minhas lembranças daquele homem alegre e cheio de citações
de Nietzsche não são bem escritas, saboreadas pela leitura.
Tenho medo da vida, ela me engole e cospe fora, foi em um dia
de chuva que entrei no táxi, o motorista era um homem moreno, maduro, seus
quarenta anos eram apagados pelo seu sorriso de garoto, sua fala macia e cheia de
malícia me encantaram desde o início, sua ironia quando falava de política, sua
verbalização quando debochava da religião, bem, minha espiritualidade era
abalada pela sua beleza ateia. Era um dia de chuva quando o táxi amarelo bateu,
o sangue escorrendo pela rua, chorei como se o mundo houvesse chagado ao fim,
hoje escrevo desnorteadamente sobre um homem que não vejo a mais de vinte anos,
não o amo mais, não tenho desejo por ele, ele não existe mais, seu corpo já foi
banqueteado por vermes gulosos, meu amor foi enterrado em um passado
maravilhoso, como é bom escrever, enquanto escrevo dou vida aquele homem fã de
Machado, fã de risadas, aquele homem que tantas vezes me fez gozar a vida e excitou meu corpo hoje
é apenas uma escrita em minha memória.
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