quarta-feira, 8 de agosto de 2012

TÁXI AMARELO


Escrever, colocar no lugar antes branco um colorido de uma vida, manchar com palavras a vida, dá um tom de vermelho as paixões, ao sangue derramado na esquina, pintar de cinza as emoções reprimidas, ao olhar de um dia de chuva, ao psicodélico choro melancólico ao som de pink Floyd, escrever é gozar, é chorar, escrever é desabafar coisas nunca sentidas, é sentir algo como se não fosse real, é ver a realidade fantasiosamente, é brotar da terra dos sonhos cuspindo pesadelos, escrever é mágico, é o mundano sobrenatural, é a metafísica do desencanto, é a corneta do apocalipse antes do desencontro.
Escrever é traçar com linhas tortas vidas amargas, é deslizar letras que buscam o doce das palavras, descrever o mundo sem juízo, o prejuízo de vidas felizes, todo escrever é dor, amor, rancor, perdão, todo escrever é lembrar, é esquecer, escrever é repetir o inédito, é o que não muda abaixo do sol, mesmo quando as trevas mudam nossa escrita.
Escrever é narrar aquilo que passa pela minha mente quando vejo a cor amarela, o amarelo me lembra o táxi, foi no táxi que encontrei aquele homem, sua fala irônica, seu modo debochado de encarar as desgraças da vida, foi ali que o vi pela primeira vez, desde então minha vida cruza com a dele, entre encontros e desencontros, entre sinais fechados, aberturas apocalípticas, eclipses da razão, a desrazão da ótica psicodélica, se falo sem nexo deve ser por que não havia lógica no mundo dele.
Um som, uma nostalgia, me lembrei de dias de chuva, de meu ex namorado, ciúmes, pouco diálogo, me lembrei de minha mãe, aquela mulher com gosto de socialismo misturada com judaísmo e vinho. Meus cabelos loiros soltos soltavam o peso de minha memória, agora estava com gosto de uva na boca, saudade nos olhos e uma imagem, a imagem do homem que conheci em um táxi, o amarelo, a música, o comunismo de minha mãe, o realismo fantástico de minhas leituras, gostaria de revê-lo, como era constrangedor saber que ele era irresistível, seus beijos saborosos, seus abraços apertados, sua visão exagerada, suas leituras de Machado, sua libido desenfreada, como era gostoso mergulhar em seus braços, gozar olhando para seus olhos castanhos ou de costas com ele puxando meus cabelos loiros, sedosos e todos entregues a suas mãos.
Escrever é passar pelas torturas da mente, por ditaduras da liberdade sem volta, cair no abismo sem gritar é ato de coragem, o escuro do abismo é descrito com escritas corajosas, minha angustia, saber que a morte é o limite, não ter resposta para a vida, não ter alternativa ao capitalismo, tudo isso é descrito por minha mente, escrito por minhas mãos, mas o amor reprimido, o desejo escondido, minhas lembranças daquele homem alegre e cheio de citações de Nietzsche não são bem escritas, saboreadas pela leitura.
Tenho medo da vida, ela me engole e cospe fora, foi em um dia de chuva que entrei no táxi, o motorista era um homem moreno, maduro, seus quarenta anos eram apagados pelo seu sorriso de garoto, sua fala macia e cheia de malícia me encantaram desde o início, sua ironia quando falava de política, sua verbalização quando debochava da religião, bem, minha espiritualidade era abalada pela sua beleza ateia. Era um dia de chuva quando o táxi amarelo bateu, o sangue escorrendo pela rua, chorei como se o mundo houvesse chagado ao fim, hoje escrevo desnorteadamente sobre um homem que não vejo a mais de vinte anos, não o amo mais, não tenho desejo por ele, ele não existe mais, seu corpo já foi banqueteado por vermes gulosos, meu amor foi enterrado em um passado maravilhoso, como é bom escrever, enquanto escrevo dou vida aquele homem fã de Machado, fã de risadas, aquele homem que tantas vezes  me fez gozar a vida e excitou meu corpo hoje é apenas uma escrita em minha memória.

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