Enquanto escovava os dentes Isabel pensavam no seu cotidiano
cheio de agenda vazia, pensava em mais um dia sob esse sol iluminando seu rosto
sem expressão, seu corpo disforme, seu sorriso amarelo, mais um dia caminhando
pela casa sem diversão, Isabel pensava nisso enquanto a escova dental dançava
preguiçosamente em sua boca, seus olhos fitavam seu reflexo pelo espelho, o dia
começou e Isabel já sentia o peso de sua existência antes mesmo do café da
manhã.
Um bale´de pessoas pelas ruas, uma sinfonia de vozes, o silêncio
que reina na boca de Isabel se constrange ao barulho da balburdia urbana, ela
chega a seu destino, a escola a espera de braços abertos na esquina, ela entra
com outras pessoas, senta ao lado de outras pessoa, assisti aula com outras
pessoas, outras pessoas não dão atenção a Isabel, ela apenas olha para o quadro
negro e pensa na imensidão do espaço, na escuridão que reina fora da esfera
azul, lá a solidão é tão normal, tão vulgar, lá ela não é objeto de escárnio,
ironia, não é pejorativo, lá a solidão é solitária e sem perdão, lá Isabel
poderia dialogar com o infinito sozinha, a aula acaba, um caminhar frenético, pessoas
indo embora, Isabel respira, sonha e sai sem pressa rumo a porta, mais um dia e
ela mais uma vez sente isso.
Na tela aparece um desconhecido, na verdade ela está a quase
um ano “teclando” com esse desconhecido, seu nome é Fábio, ele parece ser
simpático, deve ser tímido e tem medo da vida como Isabel, eles falam de coisas
banais, filmes que acham geniais, falam de livros, falam de suas vidas, de suas
odisseias terríveis, de seu viver, respirar, sonhar, de qualquer coisa que
renda uma conversa. De repente algo está estranho, ficam mudos, ou melhor,
param de escrever, um convite, Fábio a chama para conhecê-lo, ele mora em outra
cidade, ela tem medo, pavor de sair de seu casulo, mas se excita com a ideia de
vê-lo, o mundo não para de girar, as estrelas continuam no mesmo lugar, ela
decide viajar e estar perto, de colocar seus olhos negros sobre a figura que
ela apenas conhece por palavras, palavras são ditas, resposta, marcado, uma
semana depois irão se encontrar.
O ônibus parte naquele sábado nublado, parece que vai chover,
parece que vai cair águas de ansiedade, pois Isabel não vê a hora de conhecer
Fábio, o ônibus parte pelas estradas do estado de Goiás, vai rumo ao sudoeste,
rumo ao lugar onde está Fábio. Uma curva, a água, a neblina, um carro na contra
mão, freadas, o barulho, gritos, desgraça, como numa cena em câmera lenta o
ônibus vira sua estrutura e se arrastando rumo a esquerda cai em uma descida de
angustia, cai levando consigo vidas, gritos, lágrimas e Isabel. Lá embaixo com
a água da chuva desce o sangue, os ferros retorcidos e amassados do velho
ônibus prata encobrem o corpo de Isabel que não sonha mais, não sente mais
náusea com sua existência, agora apenas não é mais uma vida sem energia.
Sentado, com rosas vermelhas no colo, ele pensa no que falar, pensa no que
pensar, sente momentos de frio na barriga, imagina se terá sexo no primeiro
encontro, se ela o beijará no primeiro dia, enquanto vislumbra o encontro, as
rosas vermelhas tremem em suas mãos, Fábio está sentando esperando o ônibus
prata, Isabel, seu mundo está em festa, enquanto o sangue enfeita de tristeza a
estrada Fábio espera por sua possível amada, a esperança, a espera, Fábio, as
rosas, sentado, sábado, chuva, no fim apenas mais um dia nesse mundo sem
explicação, mais um dia.
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