Na mesa a
cerveja parecia estar gelada, logo ficou provado que estava mesmo, ela descia
suavemente pela minha garganta, refrescava meu espírito, deslizava sobre a
monotonia do dia de domingo, o cantor parecia ser um sujeito simples, apenas um
teclado e sua voz desafinada, o ambiente era o que poderia chamar de popular,
pessoas rindo, pessoas comendo torresmo, falando sobre a odisseia da vida,
cantada em verso e prosa e acompanhada pela música brega que contaminava o
ambiente.
O sol brilha
em cima de nossas cabeças, bebo a cerveja com
preguiça, olho com malícia para aquelas pessoas, em minha frente
prostitutas fumam suavemente, fazendeiros riem ironicamente, um policial
militar aproveita seu dia de folga, duas
amigas parem estar a fim dele, uma dá até uma piscadinha, a vida segue seu
rumo, a humanidade caminha no ritmo do domingo, com preguiça e sem saudade.
Enquanto ouço música do Amado Batista penso nos fatos recentes de minha vida,
todos eles juntos não dariam uma página de livro, tenho que me afastar mais no
tempo, volto a minha adolescência, a um dia de caçada, me lembro do dia que dei
um tiro em uma raposa, sua boca cheia de sangue, o barulho que saia de dentro
dela, a dor que ela devia estar passando, eu sorria por dentro, não matei,
apenas feri aquele animal, ele entrou no mato pingando o líquido vermelho,
nunca mais vi, achei interessante na hora, agora sinto pena, merda, por que não
matei? Prolonguei o sofrimento, a piedade cristã é uma merda, ela nos enche de
culpa, estou nesse momento remoendo passado , amargurando arrependimentos, o
som toca, a cerveja desce pela boca, as pessoas reparam que estou sozinho,
sozinho penso no mundo, essa caótica esfera azul perdida no espaço. No espaço
tudo deve ser tão normal.
Olho para a
mesa da esquerda , um casal, a mulher ri com uma cara de provocação, o homem
matem uma certa seriedade, vejo que já estão embriagados, de amor e álcool,
penso como seria se eu estivesse agora em uma nave estelar, viajando por outras
galáxias ao som de Danúbio Azul, como um astronauta de 2001 uma odisseia no espaço, o bebê iluminado, a angustia, o salto
no tempo, o enigma, tudo relativizado, penso no destino, no capitalismo, no
sexo oral da noite passada, tudo misturado dentro de mim, fora de mim um mundo
sem explicação, aquele bar cheios de pessoas com esperança e ilusões, o sangue
na boca da raposa reaparece, eu devia ter matado aquele animal como matei
vários no passado.
O sol ainda
brilha, a música não melhora, agora toca forró, pelo menos é mais animado,
pessoas dançando, o vestido de uma das dançarinas se levanta com o vento, como
mais um pedaço de torresmo, poderia estar comento do fruto da árvore da vida e
ser expulso do paraíso, nunca estivemos lá e nunca precisaremos ser salvos, a
vida não é uma condenação ou uma provação cheia de pecados, o sol brilha, queima
a pele, o Danúbio Azul toca em minha mente, o espaço se espalha em uma explosão
atômica, o sangue é sugado, a raposa fala que não há mais culpa na humanidade,
o caos reina, assim sai a frase em minha deslumbrante e demente consciência, a
fala sai da boca da raposa, o erudito
som é perfurado pelo forró que toca no bar, a cerveja não me faz esquecer meu
fardo humano. Meu nome é Carlos e nesse domingo vou me rebatizar, vou me
chamar... No espaço não precisarei mais de nome, o domingo segue sua rotina e
eu continua na Terra, sem salvação ou perdão, apenas na vivendo.
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