CHARUTO, VINHO E ALGUMA COISA CHAMADA VIDA
Acendo o charuto,
bebo mais gole de vinho, lá em baixo existem pessoas sofrendo, aqui em cima
existe um copo, álcool, muita fumaça e eu pensando na desgraça alheia. Moonlight
Sonata tocando, a música vibra em meus ouvidos, o mundo se aperta em meu
espírito, lágrimas escondidas descem em minha alma, é o choro de crianças com
fome, eu bebo mais um gole e me imagino em Atlanta pegando fogo, é a cena de
...E Vento Levou, o vento leva todas as esperanças, todas as amarguras e deixa
apenas o tempo, aquele vento sem frio ou calor.
Victor Hugo, páginas
de revolução, miseráveis com coração, bebo enquanto a fumaça sai dançando pela
sala, as leituras do romantismo são tão sanguinárias e violentas quanto uma
bomba de Hiroshima ou Nagasaki, o belo desperdício de emoção nessas palavras
são absorvidas sem perdão pelos olhos de leitores desavisados, ninguém disse
que leriam as páginas de um rico burguês sem classe, de um homem sem
felicidade, de um ser solto no mundo que vê a pobreza enquanto lê seus livros
da sacada, ninguém disse que a música era uma desculpa para abafar os gritos,
além do meu jardim existem outros seres humanos, espero que não existam perto
de mim.
Poderia citar
Marx, Weber, Cervantes, mas vou citar versos de pessoas não importantes,
deselegantes, quero a voz da loucura ao invés da loucura da razão, quero a
civilização cheia de sangue beijando os sanguinários selvagens, cavalos que
correm nas nuvens, saladas temperadas com saudade, quero a vida dos miseráveis,
daqueles que passam fome, lutam pela sobrevivência, quero sentir o gosto de
lutar, quero sentir o cheiro de algo imundo, quero abraçar o mundo, quero viver
fora do aquário. Bebo mais um gole de vinho, a fumaça não deixa enganar, sinto
medo de tudo que não vivi, sinto medo da humanidade, queria estar lá em baixo,
queria descer até o inferno para sentir o paraíso de verdade.
Vou pular, no
abismo, da sacada, vou deixar meu corpo se espatifar enquanto pessoas comum
riem do rico esnobe apodrecendo sobre seus pés, quero que eles riem de mim, de
minha filosofia sem prática, de minhas ideias políticas reacionárias, quero que
eles saibam que por trás de todas a minha barba, fumaça, vinho, dinheiro,
cultura e falta de sacanagem existem um homem, um cara, alguém de carne, osso,
sonhos e um pouco de maldade, além da blasfêmia, da outra verdade. Pulei...
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