sábado, 28 de julho de 2012

MOTEL PARAÍSO


A luz da lua não ilumina minha alma, o carro desce a avenida, cheio de gasolina, cheio de mim, vazio de alguma coisa, não sei o que é, passo por lojas fechadas, bares abertos, pessoas, ar frio, um mistério ronda a negritude que cai sobre a terra, o carro continua sua viagem rumo ao prazer.
Passo rápido para não perder o farol verde do semáforo, a curva, o carro, a saudade, vou indo, o telefone não toca, fico aliviado, ela deve estar dormindo agora, penso eu em voz alta, deixei a namorada que não amo com uma mentira e fui atrás de uma amante que não me agrada, apenas o sexo me atrai nela. O carro desliza sem sentido, sem parar, ela me espera em frente a farmácia, seu sorriso bestial, aquela fala de menina chata, sua ignorância me dá náusea, mas ela preenche alguma coisa, ela entra. Vamos embora.
O motel, o nome é sugestivo, Paraíso, lá dentro reinará luxúria, um pecado capital, dentro do paraíso queimará um inferno de prazer, entramos, ela me agarra com vontade, o beijo é excitante, ela desce minha calça, ela chupa meu pênis com calma, molha ele com prazer, saliva todo o seu tesão, eu passo minha língua pelo seu corpo, mergulho ela pelo seu louco desejo, adentro sobre sua vagina, seus gemidos condenam o silêncio. Seu cabelo, eu puxo seus negros cabelos enquanto estapeio suas nádegas brancas, agora vermelhas, coloco meu membro dentro do seu corpo, ela rebola sobre ele como se estivesse em um carrossel, ela brinca com meu corpo, eu levo a sério todo aquele momento, gozo sobre seu rosto, ela é puro veneno.
Abro uma cerveja, olho para aquela mulher deitada e sorrindo, não a amo, assim como não amo a mulher que se diz ser minha namorada, um vazio penetra no quarto, deixo a cerveja e vou tomar banho, ela sorri novamente, entro vagarosamente, ligo o chuveiro, a água cai. Dentro do banheiro penso que quero ir embora, já tive o que queria, aquela mulher não me serve mais, como sou mesquinho e egoísta, parece que de fundo toca uma música, uma ópera, sou o vilão dessa arte. Penso agora em um discurso político, as eleições se aproximam, sou candidato a vereador, penso em palavras como “proletários”, mas ela é tão banal e antiquada, a esquerda está tão desmoralizada, ainda sou de esquerda, quero mudar esse mundo, as estruturas, mas não consigo mudar o vazio em meu peito, não consigo mudar minha vida, estou preso a esses relacionamentos toscos, fúteis e sem paixão, apenas sexo e algumas vezes um pouco de amizade, um pouco de palavras.
A ópera toca em mim, dentro do quarto toca algo antigo, em inglês ouço uma música do Bee Gees, traz saudade, traz melancolia, transo mais uma vez com aquela mulher que conheço há anos e ainda é uma estranha para mim, o vazio em meu peito dá lugar a sussurros, coloco minha boca em seu seio, gozamos mais uma vez, agora ao som de algo mais brega, não me lembro o que tocava, o silêncio constrangedor reina depois do sexo, vamos embora, deixo ela em frente a sua casa, seu marido deve estar viajando, ela adora trair o caminhoneiro comigo, ela adora caras frios, calculistas e que tem sonhos de mudar o mundo, sim , sou péssimo com as mulheres, mas tenho ideais, quero transformar o mundo em uma república socialista, Marx também devia transar com mulheres que não amava.
Chego em casa, meu discurso está pronto em minha mente, acho que mente sobre algo, não creio mais em uma revolução, mas ainda acredito em mudanças, o progresso com tintas pós-modernas, uma social democracia nesse caos liberal, como uma sanduiche, bebo uma Coca-Cola e penso em algo que me agrade, penso em um filme, as eleições se aproximam, minha namorada deve estar dormindo, enquanto não amo alguém em específico dedico meu amor a política, a ópera toca no meu cérebro, desgovernado e partidário, bebo o refrigerante imperialista, o império do desejo bebe meu corpo, vou dormir, nesse momento as luzes se apagam e filme termina, o sono se apodera de mim, sou esse ser sem perdão.




segunda-feira, 23 de julho de 2012

MAIS UM DIA.


Enquanto escovava os dentes Isabel pensavam no seu cotidiano cheio de agenda vazia, pensava em mais um dia sob esse sol iluminando seu rosto sem expressão, seu corpo disforme, seu sorriso amarelo, mais um dia caminhando pela casa sem diversão, Isabel pensava nisso enquanto a escova dental dançava preguiçosamente em sua boca, seus olhos fitavam seu reflexo pelo espelho, o dia começou e Isabel já sentia o peso de sua existência antes mesmo do café da manhã.
Um bale´de pessoas pelas ruas, uma sinfonia de vozes, o silêncio que reina na boca de Isabel se constrange ao barulho da balburdia urbana, ela chega a seu destino, a escola a espera de braços abertos na esquina, ela entra com outras pessoas, senta ao lado de outras pessoa, assisti aula com outras pessoas, outras pessoas não dão atenção a Isabel, ela apenas olha para o quadro negro e pensa na imensidão do espaço, na escuridão que reina fora da esfera azul, lá a solidão é tão normal, tão vulgar, lá ela não é objeto de escárnio, ironia, não é pejorativo, lá a solidão é solitária e sem perdão, lá Isabel poderia dialogar com o infinito sozinha, a aula acaba, um caminhar frenético, pessoas indo embora, Isabel respira, sonha e sai sem pressa rumo a porta, mais um dia e ela mais uma vez sente isso.
Na tela aparece um desconhecido, na verdade ela está a quase um ano “teclando” com esse desconhecido, seu nome é Fábio, ele parece ser simpático, deve ser tímido e tem medo da vida como Isabel, eles falam de coisas banais, filmes que acham geniais, falam de livros, falam de suas vidas, de suas odisseias terríveis, de seu viver, respirar, sonhar, de qualquer coisa que renda uma conversa. De repente algo está estranho, ficam mudos, ou melhor, param de escrever, um convite, Fábio a chama para conhecê-lo, ele mora em outra cidade, ela tem medo, pavor de sair de seu casulo, mas se excita com a ideia de vê-lo, o mundo não para de girar, as estrelas continuam no mesmo lugar, ela decide viajar e estar perto, de colocar seus olhos negros sobre a figura que ela apenas conhece por palavras, palavras são ditas, resposta, marcado, uma semana depois irão se encontrar.
O ônibus parte naquele sábado nublado, parece que vai chover, parece que vai cair águas de ansiedade, pois Isabel não vê a hora de conhecer Fábio, o ônibus parte pelas estradas do estado de Goiás, vai rumo ao sudoeste, rumo ao lugar onde está Fábio. Uma curva, a água, a neblina, um carro na contra mão, freadas, o barulho, gritos, desgraça, como numa cena em câmera lenta o ônibus vira sua estrutura e se arrastando rumo a esquerda cai em uma descida de angustia, cai levando consigo vidas, gritos, lágrimas e Isabel. Lá embaixo com a água da chuva desce o sangue, os ferros retorcidos e amassados do velho ônibus prata encobrem o corpo de Isabel que não sonha mais, não sente mais náusea com sua existência, agora apenas não é mais uma vida sem energia. Sentado, com rosas vermelhas no colo, ele pensa no que falar, pensa no que pensar, sente momentos de frio na barriga, imagina se terá sexo no primeiro encontro, se ela o beijará no primeiro dia, enquanto vislumbra o encontro, as rosas vermelhas tremem em suas mãos, Fábio está sentando esperando o ônibus prata, Isabel, seu mundo está em festa, enquanto o sangue enfeita de tristeza a estrada Fábio espera por sua possível amada, a esperança, a espera, Fábio, as rosas, sentado, sábado, chuva, no fim apenas mais um dia nesse mundo sem explicação, mais um dia.


segunda-feira, 9 de julho de 2012

CHARUTO, VINHO E ALGUMA COISA CHAMADA VIDA


Acendo o charuto, bebo mais gole de vinho, lá em baixo existem pessoas sofrendo, aqui em cima existe um copo, álcool, muita fumaça e eu pensando na desgraça alheia. Moonlight Sonata tocando, a música vibra em meus ouvidos, o mundo se aperta em meu espírito, lágrimas escondidas descem em minha alma, é o choro de crianças com fome, eu bebo mais um gole e me imagino em Atlanta pegando fogo, é a cena de ...E Vento Levou, o vento leva todas as esperanças, todas as amarguras e deixa apenas o tempo, aquele vento sem frio ou calor.

Victor Hugo, páginas de revolução, miseráveis com coração, bebo enquanto a fumaça sai dançando pela sala, as leituras do romantismo são tão sanguinárias e violentas quanto uma bomba de Hiroshima ou Nagasaki, o belo desperdício de emoção nessas palavras são absorvidas sem perdão pelos olhos de leitores desavisados, ninguém disse que leriam as páginas de um rico burguês sem classe, de um homem sem felicidade, de um ser solto no mundo que vê a pobreza enquanto lê seus livros da sacada, ninguém disse que a música era uma desculpa para abafar os gritos, além do meu jardim existem outros seres humanos, espero que não existam perto de mim.

Poderia citar Marx, Weber, Cervantes, mas vou citar versos de pessoas não importantes, deselegantes, quero a voz da loucura ao invés da loucura da razão, quero a civilização cheia de sangue beijando os sanguinários selvagens, cavalos que correm nas nuvens, saladas temperadas com saudade, quero a vida dos miseráveis, daqueles que passam fome, lutam pela sobrevivência, quero sentir o gosto de lutar, quero sentir o cheiro de algo imundo, quero abraçar o mundo, quero viver fora do aquário. Bebo mais um gole de vinho, a fumaça não deixa enganar, sinto medo de tudo que não vivi, sinto medo da humanidade, queria estar lá em baixo, queria descer até o inferno para sentir o paraíso de verdade.

Vou pular, no abismo, da sacada, vou deixar meu corpo se espatifar enquanto pessoas comum riem do rico esnobe apodrecendo sobre seus pés, quero que eles riem de mim, de minha filosofia sem prática, de minhas ideias políticas reacionárias, quero que eles saibam que por trás de todas a minha barba, fumaça, vinho, dinheiro, cultura e falta de sacanagem existem um homem, um cara, alguém de carne, osso, sonhos e um pouco de maldade, além da blasfêmia, da outra verdade. Pulei...

segunda-feira, 2 de julho de 2012

DANÚBIO AZUL E A RAPOSA


Na mesa a cerveja parecia estar gelada, logo ficou provado que estava mesmo, ela descia suavemente pela minha garganta, refrescava meu espírito, deslizava sobre a monotonia do dia de domingo, o cantor parecia ser um sujeito simples, apenas um teclado e sua voz desafinada, o ambiente era o que poderia chamar de popular, pessoas rindo, pessoas comendo torresmo, falando sobre a odisseia da vida, cantada em verso e prosa e acompanhada pela música brega que contaminava o ambiente.
O sol brilha em cima de nossas cabeças, bebo a cerveja com  preguiça, olho com malícia para aquelas pessoas, em minha frente prostitutas fumam suavemente, fazendeiros riem ironicamente, um policial militar  aproveita seu dia de folga, duas amigas parem estar a fim dele, uma dá até uma piscadinha, a vida segue seu rumo, a humanidade caminha no ritmo do domingo, com preguiça e sem saudade. Enquanto ouço música do Amado Batista penso nos fatos recentes de minha vida, todos eles juntos não dariam uma página de livro, tenho que me afastar mais no tempo, volto a minha adolescência, a um dia de caçada, me lembro do dia que dei um tiro em uma raposa, sua boca cheia de sangue, o barulho que saia de dentro dela, a dor que ela devia estar passando, eu sorria por dentro, não matei, apenas feri aquele animal, ele entrou no mato pingando o líquido vermelho, nunca mais vi, achei interessante na hora, agora sinto pena, merda, por que não matei? Prolonguei o sofrimento, a piedade cristã é uma merda, ela nos enche de culpa, estou nesse momento remoendo passado , amargurando arrependimentos, o som toca, a cerveja desce pela boca, as pessoas reparam que estou sozinho, sozinho penso no mundo, essa caótica esfera azul perdida no espaço. No espaço tudo deve ser tão normal.
Olho para a mesa da esquerda , um casal, a mulher ri com uma cara de provocação, o homem matem uma certa seriedade, vejo que já estão embriagados, de amor e álcool, penso como seria se eu estivesse agora em uma nave estelar, viajando por outras galáxias ao som de Danúbio Azul, como um astronauta de 2001 uma odisseia no espaço, o bebê iluminado, a angustia, o salto no tempo, o enigma, tudo relativizado, penso no destino, no capitalismo, no sexo oral da noite passada, tudo misturado dentro de mim, fora de mim um mundo sem explicação, aquele bar cheios de pessoas com esperança e ilusões, o sangue na boca da raposa reaparece, eu devia ter matado aquele animal como matei vários no passado.
O sol ainda brilha, a música não melhora, agora toca forró, pelo menos é mais animado, pessoas dançando, o vestido de uma das dançarinas se levanta com o vento, como mais um pedaço de torresmo, poderia estar comento do fruto da árvore da vida e ser expulso do paraíso, nunca estivemos lá e nunca precisaremos ser salvos, a vida não é uma condenação ou uma provação cheia de pecados, o sol brilha, queima a pele, o Danúbio Azul toca em minha mente, o espaço se espalha em uma explosão atômica, o sangue é sugado, a raposa fala que não há mais culpa na humanidade, o caos reina, assim sai a frase em minha deslumbrante e demente consciência, a fala sai  da boca da raposa, o erudito som é perfurado pelo forró que toca no bar, a cerveja não me faz esquecer meu fardo humano. Meu nome é Carlos e nesse domingo vou me rebatizar, vou me chamar... No espaço não precisarei mais de nome, o domingo segue sua rotina e eu continua na Terra, sem salvação ou perdão, apenas na vivendo.