Em preto e branco, assim eram aquelas lembranças, as flores, a música erudita tocando no fundo de uma cena, pai, mãe, um carrossel infernal, chamas, doçuras, beijos, orgasmos, vida adulta, brincadeiras, escuro, medos.Amém, e tudo volta como se nunca tivesse desaparecido, assim a é ferrovia descontrolada da memória de um homem amargurado com o passado, esquecido no presente, náufrago sem futuro.
A luta, golpes em câmera lenta, ele se lembra de uma luta de boxe, ele que já lutou tanto na vida, mas nunca de luvas, nunca caiu em uma lona, caiu na vida como quem cai em um abismo sem fundo. Sangue, a boca de um dos lutadores parece pintada com groselha, parece beijar a dor, mas é êxtase que paira no ar, os olhos do homem cheio de passado estãolacrimejando, a luta passa agora de forma rápida frente a suas retinas e desaparece com o pôr do sol.
Algo doce, algo vem com a brisa da manhã e pousa em seu ombro, ele sente o perfume dela novamente, seus cabelos loiros brilham como se fossem vivos, medusa, ela o transformou em pedra, coração de rocha, espedaçado, ela fez dele um mineral passional, um louco apaixonado. Louco é aquele que teima em viver, corajoso é aquele que é louco o bastante para não morrer, assim as palavras caem como plumas no papel, assim aquele homem de poucas palavras se recordava daquela que tocou sua alma.
O preto e branco se rasga no ar, a luta de boxe passa mais rápida, sentimentos desgovernados como um Estado corrupto, como uma paixão adolescente, o brilho colorido de um mundo aparece, Fiat lux, até parece Jeová no infinito fazendo um mundo pelo verbo. Cabelos ao vento, loiros e cheios de prazer, sua boca o beija novamente, Lúcio se agarra as suas nádegas, beija seu sexo, geme com seu orgasmo. Rosas saem de suas palavras, o velho caquético vê mais um pôr do sol, mais um dia é enterrado em seu coração, o velório combina com o manto negro da noite que cobre seu corpo.
Uma faca, o vermelho pelo chão, barulho de cigarra, o cigarro em sua boca, soluções, o cabelo loiro de Angela, seu corpo, seu vestido amarelo, suas lágrimas. Naquele dia ele não se contentou em bater, o ciúme foi mais forte, o medo de perder, a faca entrou suavemente pela pele, pela carne, pelos sonhos de uma mulher adultera, o velho caquético chorava enquanto olhava para as flores, para o cabelo claro, o sangue jorrava pelos olhos da saudade, ele se lembrava de sua antiga amada pintada com as cores da violência que jorra de amores mal explicados. Não adianta mais arrependimentos, o sol vai embora e o velho adormece mais uma vez com o sono embalado por seus atos, sua vida carrega um crime, sua pena são suas lembranças, o cheiro dela dentro de suas entranhas.
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