quinta-feira, 1 de março de 2012

DEZ REAIS


O sol queimava o dia, luz, calor, suor, o fétido cheiro do sangue percorria as narinas mais sensíveis, o corpo velho e enrugado de Oscar estava imóvel, sem vida tomando espaço na calçada, sua cabeça ensangüentada era objeto de repulsa e compaixão. Chega a polícia, Joel olha para aquela massa orgânica sem sentir nada, a vida já é bastante para ele, já a morte não passa de uma piada.
O vinho desce suavemente a garganta, a chuva leva sonhos para a cama, nostalgias surgem com a música no aparelho de som, mordidas gulosas levam Joel a engolir a salada, a salivar com a carne do frango em sua boca, entre uma mordida e outra ele se lembra do corpo de Oscar estirado na calçada da Rua 34. Oscar era um senhor de setenta anos, reagiu a um assalto, dois menores tentaram levar o seu dinheiro, eles tinham uma faca, no meio da luta com o velho Oscar acabaram perdendo a arma afiada para o velho, mas Lucas se apoderou de uma pedra que acabou indo ao encontro da cabeça cheia de sonhos e sabedoria do idoso, sua cabeça abriu como mágica, enquanto o sangue escorria pela calçada da rua 34 os dois menores, Lucas e Miguel, saiam correndo com apenas dez reais que pertenciam ao senhor estirado no chão.
Enquanto bebia suavemente seu vinho Joel se lembrava de Maria, tinha saudade de uma pessoa que ele não via a mais de quinze anos, pessoa essa que aparecia enquanto dormia, enquanto chorava , até mesmo quando fazia sexo com sua namorada Yolanda, o vermelho do vinho lembrava paixão, lembrava também do sangue de Oscar, mas Oscar não representava nada a Joel, era apenas mais um latrocínio, mais uma vítima da violência urbana, um policial com mais de vinte anos de rua não se apegava mais a isso.
A televisão ligada, já é madrugada, o vinho no copo, notícias, uma jovem é morta após ser estuprada, Joel desliga a TV, está cansado de ver sua rotina televisionada, ele deita e fecha os olhos, o sono não vem, beija a insônia com sua boca alcoolizada cheirando a vinho barato. Enquanto rola na cama o policial pensa na sua amada, sua paixão platônica, uma pena não ter dado certo, pensa ele,  a imagem do velho estirado na calçada reaparece, um crime banal, por apenas dez reais aquele senhor perdeu a vida, a vida não vale um centavo, a vida é apenas um acaso e vale apenas enquanto o ser existe, depois vira lembrança, Oscar virou também estatística, números não tem coração. A insônia contagia todo o corpo de Joel, dez reais, era o preço do vinho vagabundo que o nosso policial acabara de beber, era o valor que os menores levaram do velho, era o valor da vida de Oscar, ele valia menos que um vinho barato.

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