O TANGO
Não adianta tentar esquecer, por onde eu passo eu vejo seu rosto, ela está impregnada em mim, seu cheiro, sua cor, seu gosto, suas gargalhadas não saem de meus ouvidos, tenho calor com o seu corpo, ela não vai sair de mim, está em meus sonhos, pesadelos, pensamentos sacanas, ideias mundanas, românticas poesias sobre a desgraça, sobre o existir, mentir faz parte dessa farsa chamada vida, quero o perdão dos mortais, querer é um poder que se espalha no meu peito, ela não vai embora, posso tentar, mas nunca conseguirei. Beatriz, sua feiticeira, faz o favor de ser esquecida, lembrar é uma forma de tortura, alma em chamas, vou queimar com suas loucuras.
Onze de setembro de um ano que não me recordo o número, acordo sem coragem, a preguiça faz morada em mim, um grito, algo como o fim do mundo, a democracia parece estar em perigo, alguém fala em barbárie, tenho um momento de reflexão, fico sem saber o que fazer, as pessoas parecem agitadas, ligo a televisão, aviões se chocando contra prédios, algo está acontecendo nos Estados Unidos, ataques terroristas é coisa de cinema, não é um filme, é real, fogo, destruição, gente chorando, explode o ódio e a desconfiança, a partir daquele momento ser árabe virou sinônimo de terrorismo, as pessoas ficaram chocadas, é o fim do capitalismo, assim pensaram muitos, a coincidência de um mundo caótico, foi nesse dia que conheci Beatriz, meu caos particular, minha guerra sem fronteiras, o ataque terrorista de meus pensamentos.
Ela me pergunta se eu acredito em horóscopo, digo que não, ela também não acredita, acho isso simpático, não cremos nessa bobagem, ela é engraçada, ficou indiferente em ralação ao ataque terrorista de onze de setembro, ela nem parou para pensar nos mortos, na política, democracia, ela queria falar apenas sobre a gente, que meigo, fiquei chocado com a falta de importância que ela deu para o assunto, todos comentavam, ela não estava nem ai, isso eu adimirava, uma pessoa fora do tempo, eu cheguei a pensar que somente Deus era assim, Beatriz tinha algo de divino nela.
Fome, como algo na geladeira, ela não come, não bebe, pelo menos faz sexo, isso é uma vantagem, ela discute sobre quadros, ela gosta de arte, eu não entendo nada, ela faz um monólogo, eu não falo, não gosto de opinar sobre assunto que não domino, ela dá um show, adoro vê-la falar, seu discurso é uma sinfonia para meus ouvidos, como prêmio ela ganha um beijo, isso é pouco, ela pede mais, eu dou mais. Toca um tango, não sou muito adepto desse tipo de música, Beatriz me apresenta a melancolia em notas musicais, fico surpreendido com essa faceta do ser humano, o tango toca tristemente em meu quarto, será nossa trilha sonora, sempre me lembrarei dela quando ouvir essa música.
Chuva, meus óculos embaçam, não consigo ver direito, saio correndo para pegar o ônibus, entro todo molhado, em pé finjo estar tudo bem, pessoas comentam sobre o fato ocorrido nessa manhã, uma mulher ao meu lado ri quando me olha, procuro para ela do que está rindo, ela não me ouvi, está com fones de ouvido, desço, ela desce também, juntos no ponto de ônibus esprando a chuva passar, conversamos, falamos nossos nomes, é o meu primeiro contato com essa mulher, seu nome é Beatriz, a mesma que não acredita em horóscopo assim como eu, não a beijo nesse dia, pego seu telefone, saimos três dias depois, a alegria quando a revi foi tão grande que meus lábio não pararam de mostrar meus dentes, sorriso eterno, pensei que somente Deus era para sempre, eu também tenho algo de divino.
Ele atravessou a rua rápido demais, o carro não parou, a freada fez um barulho infernal, eu olhei aquilo com espanto, ver uma pessoa sendo atropelada é algo sensacional e estranho, acompanhei sua vida ser retirada, seus últimos suspiros, a vida é algo frágil, o líguido que está dentro da garrafa evapora rápido, quebraram a garrafa, sua vida evaporou, ele é apenas uma lembrança, seus corpo uma poça de sangue, a rua um caminho para o perigo, vou embora com minhas compras, ainda estou vivo, que vergonha.
Não quer falar comigo, qual o motivo? Não sei, ela não precisa de motivos, fica sem conversar quando lhe dá na telha, assim é Beatriz, eu compreendo que não há como entender essa mulher, incógnita, o "x" sem respostas.
Faz um ano que não tenho notícias daquela mulher, ela simplismente sumiu, não brigamos, não amamos, simplesmente acabou sem respostas, sem motivos, a vida deve ser assim, eu é que ainda procura ter explicação para tudo, modernidade. Saio, vou a um bar com um amigo, bebendo fico um pouco mais contente, na vida tenho momentos de alegria, fico sabendo que Beatriz se casou, não estou impressionado, que ela seja muito feliz.
Posso falar a verdade aqui, não esqueço Beatriz, seu rosto é uma constante, olho no shopping uma mulher passando perto de mim, seu rosto é o mesmo da menina que não acredita no horóscopo, investigo, procuro, descubro onde está morando a rainha da indifereça, vou até sua casa, sou recebido muito bem, ela me apresenta seu marido, sou uma visita, marcasmo um encontro, uma semana depois estamos em um parque, conversamos, eu procuro para ela por que ela me abandonou, ela responde que simplismente quis fazer isso.
Transamos, há um ar de erotismo a mais quando transamos com uma mulher casada, foi a última vez que a vi, fiquei sabendo que um mês depois desse nosso encontro ela se matou, deu fim a sua vida tão elegantemente quanto triste, cortou os punhos e deitou na varanda ouvindo um tango, música para seu fim. O quarto está escuro, não vejo nem um vulto, mas ouço meu som ligado, a música toca infinitamente, existe algo de demoníaco nisso, o tango prefirido de Beatriz não fica de fora da seleção musical da noite, as vezes imagino e tento dar explicações para o que aconteceu, ela nunca havia falado em suicídio, mais uma vez quero explicar, as respostas fazem falta aos mediocres, acabo me contentando em apenas ouvir, o tango dança lentamente em meus ouvidos, faz morada em minha imaginação, ela vive nessa música, a música vive com a morte dela, não consigo esquecê-la, o tango continua tocando.