No início da década de setenta do século passado tivemos os primeiros sinais da crise do capitalismo de regime de acumulação “fordista” iniciada no final da década de sessenta, e que tem seu auge nos anos oitenta. Nesse momento há o aumento das desigualdades, empobrecimento de parte da população, aumento dos moradores de rua, como atesta o historiador Eric Hobsbawn.
A resposta estatal é um estado neoliberal mínimo, enxuto, que diminui gastos com o social e aumenta com a punição, com encerramento em massa. A alimentação desse depósito social, que recolhe tudo que perturba a ordem é intensificado com a guerra às drogas iniciada no governo Nixon e exportada para a Europa e América Latina.
Em consonância com esse Estado soberano punidor há, nos anos 1990, a política de tolerância zero travestida de policiamento comunitário, pois se baseia, pelo menos no discurso, na famigerada “teoria das janelas quebradas”. Essa política inaugurada em Nova York também é exportada dentro do pacote da globalização com mercadorias e produtos culturais, veja por exemplo os filmes brucutus/testosterona como Cobra.
Ao lado da diminuição em recursos previdenciários, para educação, saúde e cultura, houve incrementos punitivos, principalmente penitenciários; isso é mais claro nos Estados Unidos, mas foi copiado por França e Inglaterra, como mostra as obras dos pesquisadores da criminologia crítica Loic Wacquant e Jock Young.
O Brasil, como bom importador subserviente, adotou todas as medidas acima, claro, guardando as devidas proporções limitadas pelas especificidades de nossa cultura, economia, política e sistema de segurança pública recém-saído de uma ditadura.
Houve aumento de prisões, mortes por ações policiais no Brasil, entretanto não tivemos diminuição da violência criminal; irônica e desgraçadamente aumentaram também as mortes de policiais.
O Estado soberano pode prover punição, mas não segurança, parafraseando o criminólogo David Garland. Uma guerra acéfala a negros, pobres e periféricos, higienização das ruas e ataques a usuários de entorpecentes, enquanto criminosos do colarinho branco e de crimes ambientais gozam de liberdade e prejudicam toda uma nação não traz segurança; apenas punição para um grupo etiquetado, rotulado e estigmatizado como marginal, criminoso, inimigo.
Investimentos em saúde, em transporte, revitalização das periferias, políticas públicas que atendam periféricos trariam mais segurança do que ações cosméticas e superficiais de punição.
Enquanto a segurança for, ideologicamente, sinônimo de punição, seremos responsáveis pelo aumento da criminalidade, de injustiças e de filhos bastardos, como o CV e PCC, organizações criminosas que nascem nos ventres de nossas penitenciárias e voltam sua ira virulenta e mortífera para nossa sociedade.
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PUBLICADO ORIGINALMENTE NO JORNAL DIÁRIO DA MANHÃ DIA 09 DE OUTUBRO DE 2021.
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