segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Intervenção federal e pirotecnia no Rio

   O governo federal deveria mesmo intervir no Rio de Janeiro, e deveria ter feito isso a mais tempo, por exemplo, quando a população do centro da cidade foi expurgada pela vassoura higienizadora do progresso urbanizador do prefeito Pereira Passos no início do século XX. O governo federal poderia, e devia, ter intervindo quando a desigualdade socioeconômica assolou a população carioca, pessoas humildes ficaram desalojadas, sem saúde, educação e sem renda suficiente para sobreviver dignamente na cidade maravilhosa; ficaram apenas maravilhadas com o turismo, com as cenas das novelas globais.
    Entre polêmicas, jogos políticos e discursos agressivos presenciamos nas redes sociais um debate latente, ardente e contundente em torno da famigerada pirotécnica intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.“Luzes, câmera, ação”, assim começa a saga quase cinematográfica da chegada das forças armadas para desarmar a violência, varrer a criminalidade e elidir o perigo que flameja nessa fogueira sem vaidade, que é o flagelo que se transformou o Brasil, entretanto, com mais intensidade publicitária no Rio de Janeiro.
    Assim como o encarceramento em massa que se deu na Europa ocidental, EUA e Brasil, vemos que mera teatralidade da intervenção não causará efeito, pois ela não vai na raiz do problema, na falta de estrutura, habitação, transporte público humanizado, escolas de qualidade e não apenas deposito de crianças, saúde, e claro, distribuição de renda. A intervenção fará apenas o “enxugar gelo”, prender e, se for o caso, eliminar; isso já é feito pela política de segurança pública no Brasil que vê de forma autoritária, conservadora a segurança pública.
    No Brasil não existe projeto de polícias mais investigativas e menos ostensivas, muito menos, de cidadania plena com maior participação política dos cidadãos, meros eleitores em época de eleição; não existe a intenção de divisão mais igualitária da riqueza produzida em solo nacional. Somada a isso temos a violência gerada pela mercantilização da vida, pela expulsão da massa proletária, desempregada e marginalizada para as periferias das cidades sem o mínimo de dignidade, se apertando em ônibus e metrôs superlotados, onde o mau cheiro, o assédio, o descaso e humilhação reina no caos degenerado; jovens sem educação, mas cheios de oportunidades no mundo do tráfico, mulheres a beira da prostituição e na eminência da criminalidade são jogados na roda da fortuna. A publicidade que enche os olhos, mas que não dá oportunidades condiciona muitos desses jovens a roubar, furtar, traficar e, com isso, roubam suas próprias vidas, e ceifam a vida de terceiros num carrossel de violência que começa em casa e termina na violação de pessoas inocentes e vítimas de bandidos que acabam trancafiados em campos de concentração chamados de presídios e cadeias públicas, esgoto humano que não serve para reabilitar, dar oportunidades, apenas depósito para retirar temporariamente pessoas de circulação.
    A intervenção resolverá todos os problemas cuspidos a seco aqui nesse texto? A resposta é óbvia, mesmo assim a intervenção foi aplaudida por muitas pessoas cansadas da violência, do descaso, da humilhação; essas pessoas só não veem que infelizmente será apenas um espetáculo que durará até dezembro, com o findar do ano se findará a ação, e com ela voltaremos a ver um Rio sem educação, sem oportunidades e com a juventude entregue ao destino traçado, onde elas escolhem apenas serem violentadas e passivas ou ativas. Casos de exceção são os que conseguem mergulhar profundamente no lamaçal de crimes, descasos, corrupção e egoísmo saindo dele sem se entregarem ao mundo do crime.
    Quando haverá intervenção federal no âmbito social? Quem sabe chegando nessa fase a segurança pública também seja contemplada com atitudes mais radicais e não mera pirotecnia fantástica.

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