sexta-feira, 3 de março de 2017

Areias quentes que não derretem o gelo pessimista.



A areia quente queima o passado, parece que não tinha passado, parece que nem aparece e nada além de um branco transborda pelas bordas da memória quando olha para o mar; essa onda avassaladora de sentimentos salgados como as lágrimas que não descem pelo rosto vazio, velho e cheio de espanto. Essa massa com olhos sobre o pescoço que fita o horizonte e enxerga um clarão, a luz do sol cega, a luz do sol encanta, canta as marés, mas nada de novo no front, essa batalha está perdida, e a guerra ainda nem começou.
Caminha pela areia, a agua   gelada desce suavemente pela garganta seca de tanto ficar em silêncio; um garoto negro passa correndo, tem algo em suas mãos, produto de roubo, sua infância já havia sido roubada, ladrões que roubam sonhos e sonhadores que roubam carteiras, sistemas que nos tira o sossego e a vida que nos atira no abismo. Uma lata de farofa, frutas baratas, o menino está ali com amigos, uma mulher de aspecto envelhecido acompanha tudo de perto, Lauro olha aquilo sem piscar, sem demonstrar horror, pena ou alegria, um cubo de gelo com pernas, apenas pensa que esse mundo é cruel, e o que ele tem com isso?
A televisão brilha a noite, estrela caseira, shows, novelas e o jornal cheio de tristeza, notícias quentes, borbulhantes, nada cativantes; um incêndio, três crianças mortas, a mãe sai em choque na ambulância, o pai deve estar longe tomando uma cerveja, ainda não sabe da notícia, o cubo de gelo começa a derreter, mas ainda é frio o bastante para apenas mudar de canal e ver a novela sobre hebreus, o conservadorismo é coerente com novelas religiosas.
Tiros na noite, mais pessoas morrem, a violência ceifa vidas pecadoras, inocentes e cheias de futuro que se esvaziam sangrando nas ruas, a lua ilumina os amantes e os corpos sem vida, Lauro pensa como poderia viver em um mundo desses, ele não sabe que ao conservar esse mundo ele ajuda a manter as desigualdades que igualmente matam.
A música lúgubre, a melancolia escorre pelas notas, a parede cor cinza é um convite ao fúnebre, lembranças de guerras, fome, estupros, um cigarro imaginário solta uma fumaça asfixiante, é a fumaça industrial ou apenas claustrofobia social? A pós-modernidade condena, critica, mas aceita o pessimismo, o mundo como ele é, e não o que deveria ser, Quixote foi banido, a utopia sacrificada em nome do progresso, em nome de aguentar o suor, a labuta, o chicote.
Um bonde chamado desejo, um ônibus rumo ao desespero, um trem desgovernado sem paixão, apenas ilusão de uma vida passageira, tudo se desmanchará, derreterá e sumirá como lágrimas na chuva, águas que apagam o que não desaparece, não lutar pela mudança é ser como Lauro, um ser apático, simpático às leituras kafkianas. Ainda há esperança, mas não para nós?

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