A porta se abre, um reflexo, uma luz,
um túnel psicodélico; do macaco quebrando um osso ao escorregador cósmico
sideral, uma passagem frenética do atual momento a infância sem chão,
flutuante, um mistério. Músicas melosas, bregas, instrumentos barulhentos que
silenciam o atual momento, o passado chega cavalgando, ofegante, parece que ele
era melhor, mesmo as desgraças eram graças devido a passagem mágica do tempo;
eis um mistério nada encantado, apenas saudade nada salgada, não é agua do mar,
é agua doce, novela mexicana, que novelo devemos desenrolar para sairmos desse
rocambole sentimental.
Músicas, filmes, novelas, aquela foto
amarelada, aquele som que lembra desenhos da infância, aquele cheiro que lembra
comida dominical da adolescência, a nostalgia nos pega, agarra e sufoca, faz o
passado emergir magicamente e nos desnorteia, parece que tudo que era “antes”
era melhor do que ‘agora”. Raio, relâmpagos, eis o terremoto sem frenesi, a
borbulha sem o fogo, a nostalgia é algo mais emotiva do que racional, mas há
uma razão para isso.
A música triste de Carmem Silva
dizendo adeus solidão me leva a pensar no piso vermelho, no barracão
nos fundos do clube que minha família morava, na grama e nas formigas em frente
de casa, de minha mãe cozinhando e ouvindo a música. O sol brilha, domingo,
posso sentir o gosto do macarrão apimentado, da Coca-Cola gelada; abertura dos
trapalhões, filmes vazios de conteúdo, mas cheios de aventuras. O medo do
escuro e a alegria de carros correndo nos desertos apocalípticos da Austrália,
Mad Max!
Notícias no jornal, nada românticas,
o momento atual é mais cansativo, mais “adulto”, melhor eu diria; não tem a
inflação galopante, não tenho a dependência da infância, perdi os sonhos, a
utopia deixou de ser castelos em nuvens e passou a ser sociedades políticas
igualitárias. As notícias de jornais me entristecem mais agora, como essa do
norte de Goiás onde um homem esfaqueia uma mulher e mata dois bebes gêmeos. Não
choro, não fico remoendo vinganças, apenas olho para a loucura que é o mundo, palhaços
queimando dinheiro como o Curinga, pessoas passando fome, descriminações, o
tempo não levou certas coisas como queria o filme nostálgico e conservador de
1939.
A guerra fria acabou, agora a guerra
quente islâmica, a deselegância das brigas partidárias, a corrupção saiu dos
esgotos e espuma com seus detritos de esgoto pelas ruas burocráticas de
partidos, empresas e condomínios fechados. Teremos nostalgia desse tempo?
Provavelmente nossos filhos terão, eles se lembrarão dos jogos, desenhos,
músicas e filmes cheios de cores e amores superficiais, nós nos lembraremos das
desgraças, das futilidades e de alguns bons momentos, talvez dos bebês mortos,
mas ai veremos que continuarão acontecer mortes, inflações e corrupções, nossos
corações serão como pedras e petrificados não sonharemos, a não ser que nós nos
quebremos com machados, aqueles de quebrar o gelo da música astronauta
de mármore, essa massa geológica que anestesia e aliena, pedra humana,
fora do tempo.
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