O sol nasce radiante, em poucas horas
ele já esquenta as ilusões, aquece a preguiça dominical, lambe com seus raios
lindos, brilhantes e cancerígenos tetos de casas dorminhocas, corpos sedentos
por sexo, comida e cobertos de feridas. Enquanto aperto mecanicamente as teclas
para cuspir palavras estúpidas, frases bonitas, razões apaixonadas, vejo uma criança
correndo e sorrindo, a ignorância em relação ao mundo é uma delícia, ela
saboreia cada momento dessa ignorância.
Mesmo quebrando a roda da rotina o
domingo parece ser também um protocolo a ser seguido, sua indigência, seu rosto
despreocupado e sua ânsia em não passar deixa o dia excepcional com jeito de
mais um dia repetido, todos os domingos são iguais. Mas esse domingo também é
igual aos dias comuns no quesito reflexão, pensar o mundo e ser pensado por
ele, nessa fadiga de saber e saber que sei sabendo que sei vou rodopiando sobre
mim mesmo e chegando cada vez mais profundamente em mim, dessa forma posso transcender
sobre mim e chegar ao mundo, nesse mundo confuso, midiático, claustrofóbico e
cheio de problemas em relação à alteridade.
Sei que a intolerância é uma constante,
e sei que sei disso, minha consciência me faz tomar conhecimento de meu saber,
dessa forma reflito sobre a intolerância e penso a mesma, tomar consciência dessa
forma estúpida de ser é saber que o ser humano é estúpido sem saber, nossa
razão camufla nossos arroubos apaixonados, nossas posições inconscientes, nossa
razão que nos guia as vezes se esquece que também nos movemos mecanicamente.
Mas sem razão não há como refletir
criticamente sobre nossas vidas, sobre nossos conflitos, sobre nossas barbáries
do dia a dia. É racionalmente que tomo consciência do meu lado afetivo e de sua
importância, é afetivamente que possuo meu corpo, minha mente e chego a conclusões
racionais, transcendendo a pura passionalidade. Mesmo assim vemos pessoas
racionais em um mundo racional se reduzirem a pura paixão, isso fica cada vez
mais constante num mundo dividido politicamente entre os intolerantes “petistas”
e antipetistas.
Essa semana vi uma notícia que me
chocou, não foi a morte de uma grávida, estupro de um bebê ou mais um escândalo
da operação “lava jato”; foi a recusa de uma pediatra em atender uma criança
com o argumento, esdruxulo e mesquinho, dela, a criança, ser filha de uma
pessoa filiada a um partido político, no caso aqui ao PT- partido dos
trabalhadores. Isso me chocou, uma criança, que já era paciente dessa pediatra,
não teria um atendimento médico por causa da filiação partidária de sua
progenitora, ou seja, passou-se a escolher pacientes pela coloração política ou
pela filiação partidária, isso soa no mínimo intolerante e imoral, para não
dizer até criminoso.
A que ponto chegamos, sempre que nos
chocamos ou nos desiludimos com algo fazemos essa indagação e sempre chegamos a
mesma conclusão: chegamos no ponto de
onde saímos, da barbárie, por mais que tenhamos desenvolvidos técnicas
industriais, construído edifícios filosóficos, artísticos e humanitários, por
mais que tenhamos concluídos pesquisas científicas fundamentais para o
desenvolvimento humano, chegamos sempre no menos digno, no menos valoroso, no
menos humano; isso me lembra as críticas frankfurtianas, a dialética do
esclarecimento esboçada na obra de mesmo nome.
Não acompanhei mais a polêmica
envolvendo a médica e a filha da petista, mas vejo um momento crítico para a
política, para a ética e para relações humanas no Brasil, independentemente do
lado que estejamos, partidário ou não, temos que ter em mente a convivência, a relação
e os direitos fundamentais de cada ser humana. Os dois lados da moeda estão
desvalorizando o capital afetivo por agirem apenas com paixão e se esquecendo
da razão. Pessoas que agem como a médica intolerante são como o personagem Seth
do filme A MOSCA, são cientistas brilhantes que num ato afoito e passional se
esquecem de tomar as rédeas de suas vidas e são unidas geneticamente a um
inseto, depois vão se deformando, moral, psicologicamente e corporalmente até
se reduzirem a um ser asqueroso, grotesco e deformado.
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