sábado, 26 de março de 2016

...E O VENTO LEVOU...E O RACISMO E CONSERVADORISMO QUE O AMOR CAMUFLOU.



A televisão é uma faca de dois gumes, nela vemos programas rasos, fofocas, novelas, filmes, telejornais, documentários, programas de auditório. A maioria dos programas são ruins, ou, de qualidade mediana. Assim como no garimpo podemos selecionar, pesquisar e achar pedras preciosas, umas dessas pedras é na verdade simples e de aspecto aparentemente superficial, rudimentar, estou falando aqui de Chaves, o programa infantil que contagiou minha geração e é, por décadas, reprise garantida em um canal de televisão aqui no Brasil. Foi com Chaves que ouvi falar de Dom Quixote pela primeira vez, livro que fez parte de minha primeira formação como leitor, foi nesse programa que ouvi uma música que iria me fazer assistir um filme emblemático da Era de Ouro do cinema estadunidense, a música era o tema do professor Girafales e dona Florinda, ela era uma versão da trilha sonora original do famigerado ...E o Vento Levou, obra consagrada por alguns como clássica, e detratada por outros como um filme chato, brega e conservador. É no meio dessa polêmica que irei falar dessa obra cinematográfica que marcou a história do cinema e a vida de muita gente, inclusive a minha.


...E o Vento Levou é um filme do gênero romance de 1939, ano que estourou a segunda guerra mundial, é baseado no romance de Margaret Mitchell e estrelado por Viven Leigh e Clark Gable. É um filme do estilo de estúdio, controlado pelo produtor e com pouca liberdade para o diretor criar e ser autoral, tem a cara da era de ouro de Hollywood. O filme começa já com música melosa e épica seguida de um texto que enaltece o sul dos Estados Unidos e uma época de galanteios, cavalheiros, damas, senhores e escravos, uma época que o vento levou. Assim podemos logo de início dizer que o filme tem como uma de suas bases a nostalgia de uma época rural, de modos e educação, mas também uma época de relações de trabalho escravista e da grande propriedade exportadora de monocultura, no caso do filme o algodão. Logo após somos apresentados à protagonista, Scarlett O’Hara, que num primeiro momento é uma jovem mimada de uma família rica e apaixonada por Ashley Wilkes, fazendeiro que irá se casar com sua prima. A protagonista passa por vários eventos, dentre eles pela guerra de secessão entre o norte industrializado e o sul rural e escravista; durante essa fase do filme Scarlett será viúva, tinha se casada por puro capricho com um jovem que irá morrer logo em seguida na guerra com pneumonia. A fase do filme que retrata a guerra é uma das melhores, o colorido forte e de tom avermelhado que simboliza o fogo e a ardência do momento nos dá belas imagens, um plano sequência da protagonista passando por um grupo de soldados filmado por um ângulo panorâmico nos dá uma impressão da desgraça e da morte na guerra, além disso posso destacar a cena clássica do incêndio em Atlanta, que beleza infernal, arde nas telas!

A guerra é um divisor de águas, nela vemos o crescimento da protagonista que deixará de ser apenas uma menina mimada e passará a ser uma mulher forte, interesseira, uma mulher que abandonará os ideais da dama rural sulista e abraçará a moral capitalista burguesa do Norte. A fome mostrada na cena emblemática de Scarlett gritando aos céus que nunca mais passará fome é uma arma que irá destruir algumas ilusões e forjará essa mulher ousada, forte e de caráter duvidoso, para não dizer quase uma megera.

O protagonista masculino é Rhett Butler, industrial e especulador, ou aventureiro, termo usado no filme para simbolizar nortistas, galanteador e cafajeste, é apaixonado por Scarlett, mesmo sendo esnobado ele a paquera e tenta ter algum tipo de relacionamento com a anti-heroína, e é depois da morte do segundo marido de Scarlett que Butler finalmente consegue se casar com ela, daí vamos para o último ato do filme que se passa durante os anos de casamento dos protagonista e termina depois de algumas fatalidades e golpes do destino.

...E o Vento Levou é um filme dúbio, um melodrama que influenciou as telenovelas, traz personagens fortes e complexos em uma trama um pouco superficial e brega, o romance entre O’hara e Butler, que atravessa anos, guerras, mortes e fatalidades tem como plano de fundo a marcha do capitalismo liberal industrial e as mudanças que irão desestruturar a sociedade sulista com seus cavalheiros, “nobreza mercantilista”, e minará essa rocha que era o trabalho escravo.

Um lindo romance, mesmo com seu ar brega, uma das melhores personagens femininas já escrita para o cinema, uma trilha épica e que contagia, uma fotografia bárbara que ilumina e encanta, mas um enredo conservador e racista, um hino de amor ao sul escravista e ruralista. Mesmo sendo um filme que idolatra algo que hoje é condenável, romantizando relações que eram violentas, colocando o negro como um ser manso conivente com a desventura negra na América, podemos olhar com uma visão crítica e ver aqui um documento cinematográfico de uma mentalidade arcaica de um mundo que seria parecido com o de Casa Grande e Senzala de Gilberto Freire.

Apesar de tudo que foi dito acima ainda acho válido ver e rever essa obra prima que encanta pela fotografia, personagens, as vezes chateia por algumas cenas ridículas, novelescas e infantis, e nos incomoda pela visão retrógrada, mesmo assim sobrevive como um clássico nos fazendo crer por algumas horas no amor avassalador dos protagonistas que, como diz o personagem Rhett Butler, não valem nada!

Para finalizar poderia dizer que no fundo ...E o Vento Levou é um filme sobre a propriedade, aqui bem simbolizada por Tara, fazenda da família O’hara, terra que a única coisa, nas palavras do pai de Scarlett, que vale a pena viver, lutar e morrer. É com um monólogo sobre a terra que termina o filme, um romance que se finaliza com um hino de amor à propriedade.


quarta-feira, 16 de março de 2016

O CHORO DA ESQUERDA PETISTA



Como no filme A ÁRVORE DA VIDA começo esse texto pela morte, a morte dolorida, sofrida de um filho, a morte de um sonho, o sonho da esquerda partidária, como no filme faço um salto surreal com ar de ficção-científica e com trilha religiosa, sacro é o pensar, duvidar é demoníaco, pode derrubar os pilares que sustentam o mundo, explode, luz, o mundo surge, gênese, aqui começa o ambiente, o palco das tragédias, dos suspiros, do nascimento e morte dessa esquerda partidária.
Leituras literárias, miseráveis, ladrões de pães, prostituas com filhas, a miséria humana, a fome e a volta romântica por cima, leituras políticas, marxismos, histórias de revoluções, escravismos, entre Dom Quixote e Machado vejo filmes, pobres sendo explorados, me emociono com um homem carregando um carrinho e sendo lambido pela ferina e cancerígena luz solar, o calor faz seu corpo transpirar, meus olhos transpiram, a lágrima quente não cai, é a lágrima que molha os sonhos melancólicos do socialismo.
Gênese, dinossauros, aurora do homem, tacapes, lutas de classes, revolução industrial, a razão instrumental, pasta dental, dentes afiados, sujos de sangue, carne humana, fadiga ao pensar, a esquerda é contestação do simplesmente dado, constatado, mas apodrece e vira essa marionete do capital, corrupta como sua antagonista liberal.
O muro de Berlim caiu, os sonhos desmoronaram, depois de 1989 fica difícil acreditar na utopia burocrática e guerrilhas, como a cubana, de partidos autoritários e revolucionários, como os bolcheviques. A revolução de 1917 e seus filhos satânicos nos mostraram que os extremos violentos guiados por burocratas partidários são tão monstrengos quanto os nazistas e empresários liberais, hoje só restou a reforma, a social democracia, essa aberração que joga o jogo da burguesia e participa de eleições, vende sua bandeira ao banqueiro, ao empreiteiro, o partido deixou de ser revolucionário e passou a ser eleitoral.
O choro toma conta dos últimos românticos, a esquerda no Brasil chora pelo filho morto, choro dolorido e sofrido, como o do começo do texto, o PT se mostrou tão corrupto como seus pares de direito, PSDB e CIA. E agora, sem partidos revolucionários, sem guerrilhas americanas, sem social democracia petista, e agora?
O capitalismo já mostrou que não abrirá as portas do paraíso, não há socialização dos bens produzido, o domínio é do capital, a exploração é seguida pela dominação, a esquerda foi seduzida pelo reformismo, a social democracia é um capitalismo liberal maquiado de socialismo, só restou o choro de pais sem filhos e estéreis, pois não podem mais gerar bolcheviques, petistas ou coisas do tipo, mas como conviver com essa adoção indesejável que é o capitalismo?
Dinossauros caminham sobre a terra, de repente...Milhares de anos se passam e somos dinossauros que ainda acreditam em partidos políticos, pessoas brigam por que um partido é corrupto, se esquecem que todos são, tem ódio a um partido, se esquecem que todos os partidos são estruturas burocráticos sem vínculos com os anseios populares, mas o que fazer com o vazio deixado pelo PT?
Não consigo acreditar em uma esquerda violenta, partidária ou social democrata, não vejo futuro no sangue que jorra de tiros, ou de votos dados a grupos financiados por bancos, só consigo ver um futuro menos tenebroso na participação popular, dos trabalhadores, explorados, negros, mulheres, homossexuais, homens sem machismos assumirem o poder e torna-lo mais democrático, mais fluido, menos robotizado, mais erotizado, mais humano. Fora PT, fora PSDB, fora PMDB, fora banqueiros, empresários, fora estupro, racismo e desmatamento, e entre a libido, a socialização dos bens produzidos e as decisões tomadas em conjunto, que todos sejam autônomos e se auto administrem.

sexta-feira, 4 de março de 2016

DEPOIMENTO DE LULA, FALTA DE ORGASMO POLÍTICO E A LIBIDO DEMOCRÁTICA. .



Hoje o dia amanheceu com fanfarras, foguetes, algazarra, balburdia midiática, pessoas atônitas, pessoas em êxtase, cheguei a me lembrar de Guilherme Arantes e sua brega canção. Hoje um furacão jornalístico nos varreu com a notícia bombástica da ação coercitiva que levou Lula, nosso ex presidente, a prestar declarações à polícia federal. Mas o que isso nos diz? De um lado ouço o coração quebrado e as vozes chorosas dos partidários do PT, vozes meio rancorosas que colocam a culpa no conservadorismo, na mídia burguesa, no ódio classista. A defesa ao presidente Lula é ferrenha, lágrimas, gritos e muita paixão. De outro lado ouço vozes roucas, gritantes, uma direita conservadora que teme projetos social democratas, que tem pretensões políticas, muitos ligados ao PSDB, muita paixão corre pelas veias desses aguerridos guerreiros da justiça. No meio disso tudo uma meia dúzia de pessoas indignadas com a corrupção, não partidárias, não rancorosas com a direita ou odiosas com esquerda.

Difícil não se indignar com a corrupção, ela sempre existiu em nossa história republicana, não foi inventada pelo PT, mas foi com os governos petista que, axiologicamente, se valorou mais os escândalos de corrupção, isso não diz que a corrupção petista é melhor ou pior do que tucana, ou outro qualquer, apenas que num determinado momento histórico se deu mais ênfase sobre as denúncias de corrupção, e isso tem seu lado positivo, mostra que a democracia vem desempenhando um de seus atributos, mas é somente isso? Sabemos que há um jogo político por traz disso também, há interesses partidários, econômicos e , além disso, uma cultura ante esquerda de alguns grupos reacionários, porém, também contribui com isso as provas e condenações de algumas pessoas ligadas ao partido dos trabalhadores.

Um show pirotécnico, uma lona, picadeiro, luz, câmera, ação, uma explosão de mil megatons, Lula é notícia, odiado, celebrado, xingado, idolatrado, uma contraditória dança macabra em torno dessa entidade, isso me lembra o “Fora Collor”, outro show da democracia, caras pintadas, juventude transviada e politicamente revoltada, uma guerra justa, democrática e cívica contra o dragão da maldade. O que mudou com todo o alvoroço em torno de Collor, e sua consequente cassação? Quase nada, os corruptos continuaram, alguns bodes expiatórios caíram, bois de piranha, Collor voltou à ativa, se aliou a inimigos, mensalões tucanos, pemedebistas, cachoeiras de corrupção em Goiás, merendas sendo fraudadas e furtadas em São Paulo, desvios do governo federal petista. Luz, câmera, show, apenas fogo de palha, depois da fumaça tudo volta ao normal.

Difícil defender o PT depois de tantas provas e condenações, difícil defender partidos que são contra o PT depois de tantas provas de corrupção, difícil cair no apaixonado grito contra a esquerda ou no doloroso choro contra a fascista classe burguesa, porém, temos que mudar, lutar e sair desse lamaçal no qual estamos atolados e conspurcados.

Sem mudanças no jogo eleitoral, na participação popular, democracia direta, sem mudança de mentalidade e luta política, não mudaremos o quadro de corrupção, se apenas atacarmos pessoas e partidos não sairemos do lugar, temos que mudar estruturas, temos que estar na arena das decisões, fiscalizar, opinar e não apenas seguir, como ovelhas, pastores partidários, midiáticos ou rancorosos que querem jogar pedra na esquerda, direita ou outra denominação que assuma o governo. Não podemos transformar nossa indignação com a atual conjuntura em palanque político ou ofensas gratuitas, brigas sem sentido, temos que transformar isso em combustível de lutas mais holísticas, em emancipações do controle classista, político partidário e da indústria cultural, ou mudamos isso ou ficaremos presos nessa luta de galos sanguinolenta que só dá lucro para os parasitas que sugam nosso labor, esperança e amor.

É broxante ver tanta potência de existir desperdiçada em ataques caninos, intolerantes e sem reflexão, seria muito mais excitante nos unirmos contra a corrupção de todos os partidos, contra toda manipulação midiática, contra todo abuso econômico, mas sem cair na pieguice de defender X ou Y, acusados e comprovados em ações imorais, ilegais e nada democráticas. Por uma política com mais participação popular e menos burocracia partidária, eis o orgasmo democrático fluindo, eis a libido popular tomando os caminhos racionais sem negar seus afetos e sem afetar sua dignidade.