segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

GELATINA , VERMES E NÓS



Quando você anda e olha para o chão, ele é verde e escorregadio, parece tremer ao som de seus passos, instável como a política no oriente médio, sensível como paixão adolescente, o solo é transparente, através dele, do verde claro e transparente você pode visualizar o interior da terra gelatinosa, sim, gelatina. Dentro do aguado solo percebe restos de corpos putrefatos, que delícia, o solo é de gelatina sabor limão, no interior dessa guloseima corpos apodrecem, vermes passeiam pelas massas orgânicas e sem vida, você olha os vermes dançarem macabramente enquanto a morte lhes dá vida, enquanto os defuntos deixam seus corpos gosmentos cheios de vida, eles não sabem que são vermes, não sabem o que é biologia, classificação, Aristóteles não era um verme, o que diferencia um Aristóteles de um verme? Aristóteles tinha consciência, tinha cultura, você vota, acredita em deuses, em ciência, tem fantasias sexuais, acredita no progresso da humanidade, o que nos faz superiores aos vermes, as plantas, ao universo?
No rádio uma canção antiga, uma música romântica cantada em uma língua estrangeira, sou estrangeiro no meu próprio coração, como já beijei mecanicamente, nunca senti saudade, apenas tesão, êxtase, aqueles corpos se contorcendo de prazer, bocas pedindo prazer, minha língua penetrando seus corpos, suas bocas, suas genitálias se acoplando na minha, nunca amei, senti saudade ou  remorso, nunca chorei com um beijo de novela, os vermes também não, aqueles dentro solo verde limão, gelatinoso e cheio de morte, cheio de vida, saboroso, o que me torna diferente do verme? A consciência que não sou um verme, a consciência que sou outra coisa, a consciência que o verme é mais feliz, mas o verme não tem consciência da felicidade, ele não é nem mais ou menos feliz então do que eu, eu tenho consciência disso, inferno!

A praia, a areia, um oceano de conhecimento, como sou ignorante, o mundo inteiro de leituras para ver em Zorba, o grego, que não passo de um ignorante frente a imensidão do universo, frente a tudo que me escapa, a poesia é bela, gozar com belas morenas, aquela boca, nunca amei, nunca senti saudade, já senti algo, acho que era imaginário, livros, florestas, almas, deuses, estupros, sangues, vejo gente morta, gelatina, vermes, a vida pintada com palavras, asfalto, mar de rosas, música dos Beatles, curtindo a vida  adoidado, carrego a arma, um tiro, imensidão, freio fora de mim, fim de mais um alucinógeno pensar.

Crio desculpas para você, crio subterfúgios para mim, crio problemas para todos os saberes, brigas por causa de política, frases soltas, o que me torna diferente de você? A mesma diferença entre nós e os vermes? Somos parte do mundo, o mundo é parte de nós, somos consciência do mundo, o mundo existe enquanto construtor de consciência, o beijo que dei hoje foi menos mecânico, ainda não amo, ainda sinto prazer em me torturar pensando, gosto de filmes sobre solidão, escritos sobre moléculas de carbono, HEY JUDE!
Como é chato acordar, abrir a janela e ver o sol, nascendo, é tão perfeito e comum, mas a lembrança me leva para lugares escondidos em minha mente, um solo verde cheio de corpos, cheio de vermes, como um verme passeio pela carne podre do mundo, vejo toda a imundice e depois cuspo sobre as fezes, como amar deve ser bom, nunca amei, sempre duvidei, isso me fez sobreviver, já acreditei no infinito, o solo se abre, a gelatina se torna escura, o mundo me engole, como é absurdo existir, nunca pensei de outro jeito.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

MAIS UM CORPO



O cigarro na boca, a fumaça pairava no ar, a desgraça pairava nas savanas, nas cidades, nas idades mais jovens, nos humores mais velhos, na América, na cidade jardim, em todos os lugares havia lugar para a fumaça, para a indecente felicidade, mas naquele lugar a fumaça do cigarro subia em uma atmosfera fúnebre, o corpo aberto a facadas dizia isso sem pronunciar uma palavra.
Com o cigarro na boca ele olhava para o corpo indiferente, olhava para aquela vítima, magra, suja de terra, sangue e vergonha, provavelmente um viciado em entorpecente entorpecido eternamente pela lâmina de uma faca de cozinha, mais vagabunda que a vida da vítima. Próximo ao corpo havia mais sujeira, poucos móveis na casa, se é que poderia ser chamada de casa aquela coisa na qual se encontrava o corpo putrefato e cheio de sangue. Uma pessoa se aproxima, falava rápido e desengonçado, palavras sem nexo, pouco sentido, mas quem acha sentido na vida? Na fala daquele jovem havia pistas sobre o assassinato de Miguel, sim, o nome do corpo era Miguel, um rapaz moreno de dezessete anos viciado em crack, gostava de chocolate, pornografia, ler a bíblia e beijar homens e mulheres ao mesmo tempo. O homem com cigarro na boca anota as informações, pistas, pegadas sólidas que se desmanchavam no ar como a frase de Marx.
Em casa ouvindo star man na voz do andrógeno e camaleão Bowie Carlos fumava e pensava no corpo achado naquela manhã, mais um ser sem mais importância, um viciado que morrera por acerto de alguma dívida envolvendo droga, a voz de Bowie o excitava a pensar no espaço sideral, no enigmático, um rocambole desgovernado de cores o levava a refletir sobre o infinito, deus, et’s, um céu sem paraíso, um infinito de possibilidades, aquele corpo era apenas mais um entre muitos que irão ser devorados por vermes.
Sirenes, gritos, uma correria, a noite era assim em uma grande cidade, em um grande inferno noturno, ele gostava disso, mais uma noite interrogando prostituas, pessoas que estavam se embriagando próximos ao local do crime, mais um corpo, uma mulher foi estuprada e morta, o sangue ainda pulsava vida, um vermelho vibrante, o cigarro na boca, vício rotineiro, Carlos sente um pouco pela pessoa deitada sem vida na calçada, ele não sentira o mesmo pelo corpo encontrado um dia antes em uma casa velha, no fundo o que ele sentia não fazia diferença, era apenas mais uma vítima sem vida que seria entregue a putrefação, o cigarro chega ao fim, assim como a vida das duas vítimas.
O mundo onde os fracos não tem vez, era uma vez, histórias entrecortadas, gozos, pus, novelas, crimes, baratas, documentos fajutos, sedes de sangue, banalidades constantes, sem controle, insano, insalubre, calibres diferentes, a vida de um policial caminhando dentro de homicídios em um mundo que sempre foi violento, os romanos jogavam pessoas para serem devoradas por leões, medievais empalavam hereges, bruxas eram queimadas, guerras ceifavam vidas jovens, nas cidades grandes não era diferente, Carlos olha para o céu, parece que vai chover, mais água abençoada sobre o inferno divino criado pelo acaso no caos sem nome.
Enquanto transa com aquela mulher ele se lembra de mais uma vítima, ele começa a ficar paranoico com seu trabalho, a noite não dome, ouve vozes, parecem sair de algum cemitério, parece que aquele viciado fala com ele a noite, Carlos está enlouquecendo, não aguenta mais nem gozar na boca da prostitua barata sem pensar no assassinato do dono da panificadora, ele está tomado pela rotina homicida, nem o café e o cigarro salvam Carlos dos delírios com seus fantasmas cheios de pus, cheios de sangue, cheios de nada, a morte persegue Carlos com vozes demoníacas.
Remédios, álcool, cigarros acesos a toda hora, noites mal dormidas, um ano sem trabalhar, licenças médicas, ele agora caminha sozinho a noite, já que a insônia abraça seu corpo sem vergonha, para em uma rua escura, um bar pisca ao longe, ele caminha até o “boteco”. Sentado em uma cadeira metálica com um símbolo da Skol ele bebe uma dose de algo alcoólico, de algo que desce rasgando sua garganta, mecanicamente acende um cigarro, na mesa ao lado uma loira e um rapaz moreno conversam, se beijam, sorriem, como a felicidade deles incomoda Carlos, ele olha sem interesse para os dois, pasmem, são os dois corpos que Carlos havia visualidade em investigações há um ano antes, eram iguais, eram eles, eram parecidos, Carlos fica paranoico, sai correndo do bar, na rua ele continua sua odisseia atlética até ser parado por um ônibus. Atropelado pelo ônibus, Carlos agora era apenas mais um corpo destinado a ser comido por vermes.

domingo, 13 de janeiro de 2013

O CATADOR DE PAPEL



A chuva caia lenta e fria, de dentro do carro com os vidros fechados ele via o homem negro puxando seu carrinho cheio de papelão, lata e outras coisas sujas e encharcadas de água da chuva, o homem do carrinho não parecia triste, parecia um pouco cansado e com frio, mas não parecia ser daqueles que bebia vinho e ouvia Chopin melancolicamente, a chuva caia e o sinal abria, o semáforo não parava em dias de chuva, Carlos segue seu rumo, o carro abre caminho por ruas onde corre uma enxurrada.
A casa escura, um som ao fundo, uma música dos Beatles, na escuridão o som chega a ser fantasmagórico, sendo dos Beatles é no fundo mágico, Carlos anda com medo de esbarrar em algum móvel, liga a luz e vê algo inusitado em sua sala, uma mulher nua o esperava, ali mesmo eles fazem de seus corpos dois condutores de prazer, ele morde e beija o corpo moreno de Cristina, ela passa sua língua pelo corpo de Carlos como se tomasse um sorvete, ele a coloca de quatro sobre o sofá e enfia seu membro com força, puxando seus cabelos ele movimento atomicamente seu corpo empurrando as nádegas de Cristina com sua pelve, ela gemia de prazer enquanto ele empurra cada vez mais rápido seu pênis pela vagina dela. Novamente ele se lembra do carrinho de papelão, agora que Cristina se foi ele se entrega as músicas eruditas e ao vinho barato, pensa na solidão, na falta de perspectiva, pensa na revolução, a melancolia não atingiria o peito do catador de papel como dilacerava o peito de Carlos naquele momento, o que ainda o animava um pouco era saber que uma hora antes estava excitado e gozando freneticamente a vida.
A mesma esquina, só que agora o sol lambe as almas que trafegam pelas ruas, o ar quente não aflige mais, o céu azul não tem o tenebroso aspecto do cinza pintado no dia anterior. Onde estaria agora aquele catador de papel? Perguntava-se Carlos enquanto o semáforo exibia o vermelho, a imagem do homem tomando chuva e empurrando o carrinho ficou marcada na memória de Carlos, o semáforo ficou verde, ele vai embora, com ele a dúvida e a curiosidade sobre o ser humano que povoava sua mente.
Liga a televisão, com o copo de vinho barato comprado no mercado ele assiste mecanicamente os canais da tevê aberta, sangue, pus, vidro, perdão, beijo, tesão, morte, desgraça, graça, risos, deus, demônio, furacão, magia, emoção, tudo vibrando em imagens em sua frente, mas ele só consegue pensar no homem empurrando o carrinho cheio de papelão, enquanto o carrinho estava cheio o carro de Carlos tinha apenas ele, um homem vazio, o copo de vinho enche o vazio dentro dele, fora dele tudo está cheio, cheio de tudo que falta nele.
Sentado no sanitário ele descarrega dentro do privado tudo que é desnecessário ao seu organismo, organicamente ele pense no juízo, não no final, mas no meio, no caminho, pensa sobre o inferno que é esse vazio dentro de um ser, como preencher com vida de um ser que mais se parece um mineral? Com o jornal na mão aberto nos classificados Carlos olha para a janela do banheiro, ainda sentado no sanitário ele percebe a luz que penetra no vidro e sente uma pequena alegria, um sorriso discreto metamorfoseia a face do homem defecando.
Uma corda, um corpo pendurado, uma música do Pink Floyd rolando, a luz do sol deu lugar ao cinza da chuva, ela cai lentamente fazendo um barulho sonífero no telhado da casa, o corpo pendurado balança solitariamente enquanto a chuva cai sobre a casa. O corpo de Carlos ficou pendurado o dia todo sem que ninguém desse falta dele no universo, o mesmo pelo qual ele tinha alergia, quando foi encontrado já estava meio deformado, havia uma beleza grotesca e mórbida no sorriso do corpo, ele morreu sorrindo, morreu imitando o catador de papel.