Andar é algo tão fascinante quanto não fazer nada, mas eu
andei, percorri aquela lama com meus pés cheios de preguiça, cheios de peso, a existência
tem dessas coisas e coisas não tem existência, não tem consciência da
tragicidade da vida, a morte não abraça papeis jogados na lixeira, não beija pedras
em sonhos, ela ceifa sorriso marotos de jovens correndo embriagados em
estradas. Andar , andar sem rumo ou chegada, Forrest Gump fazia isso, sem
explicação, sem perdão, eu andava também, apenas andava, amém
Um cigarro, não fumo, imaginei um em minha mão,
solitariamente pensamos em coisas assim, faltava alguém para conversar, eu
conversava sozinho mesmo, sou tagarela, parlar comigo mesmo é
esquizofrenicamente gostoso, como chuva para lavoura. Andar, ainda caminhava
enquanto pensava nas rosas, nas baleias e tudo o que não existe mais, a luta de
classes devia ser grotesca, mas árvores com sombras eram melhores, vejo algo, a
distância deixa minha visão perturbada, sou míope para o amor e tenho
astigmatismo para a vida.
Antes de chegar perto do que me chocaria choco ideias como
uma penosa ave que já existiu, brotam leguminosas e dialéticas parábolas dos
ovos idealizados, explodem galáxias em minha cabeça sem sonhos, excitações ou
aberrações em forma de ciência. A vida não tem um sentido a priori, um sentido
em si, somos nós que criamos, mas naquele dia eu chegaria próximo de algo
revelador.
Revelar é algo complicado, a verdade não é uma rocha, é uma
interpretação, eu interpretei errado tudo que não era verdade, e a verdade nem
interpretada foi, ela não existia, meus pés na lama, andava com receio, agora
com medo, a minha frente o infortúnio, a falta e o desespero mudo, aqueles que
ali estavam não podiam mais falar, eu falei com um grito, o horror contagiava
meus olhos.
Chego mais perto, o horror, a náusea, a vida enterrada na
lama, crianças, mulheres, homens, velhos, bebês, todos mortos afogados, corpos
apodrecendo, fedendo, todos sendo devorados pelos vermes que não morriam com
água, eram deliciados pela desgraça. Nunca imaginaria que voltar no tempo
pudesse me levar a uma época tão bizarra e bárbara, no ano em que vivo, 3400
depois de Cristo, não existe algo tão absurdo quanto isso, todas as pessoas do
planeta mortos por uma água caudalosa, fico pensando em uma obra mitológica que
li quando criança que falava da ira de um Deus do oriente que mata todos , com
exceção de alguns animais e de uma família humana, com água em um dilúvio, pare
que encontrei os mortos daquele homicida divino, é como se tivesse entrando
dentro das páginas sanguinárias daquele livro que li na infância, volto para
minha época cheio de dor, nenhum deus seria capaz de matar pessoas em um
dilúvio, aquilo deve ter sido obra do acaso. A natureza é fanfarrona, assim
como deuses criadores de humanos cheios de pecados.