sábado, 15 de dezembro de 2012

VERMES NO ESPAÇO SIDERAL.



A luz penetra em seus olhos, a lembrança chega sorrateiramente, as malas arrumadas, o corpo, o sangue, o grito, o brilho, o descaso, o beijo, a política, arrepios, sexo oral, oralidade demoníaca, a música do Radiohead, a piscina de desilusão, a bailarina dançando com Jesus, a crença no abismo, no inevitável devir. Como na letra da música ele se sente um verme, mas um verme queimando por dentro, deslizando sobre a superfície do ser, sendo ele mesmo ele deixa de ser algo que poderia não ter valor, sua vaga lembrança, a luz nos olhos, a luz do sol, memórias loucas, a música tocando, lembranças das malas, da fuga, a mulher indo embora, sua mãe arrogante, seu pai fraco, o corpo cheio de sangue, o bebê, acabou a festa.
Como um verme ele pensa no futuro, como um verme ele ouve a música pela vigésima vez, um copo de algo ardente, bebida destilada, lágrimas percorrem seu rosto enrugado de melancolia, a cena de um casamento, a igreja, santos, santidade macabra essa ideia de morte, a música toca fundo sua alma, ele toca fundo seu estômago com o álcool, ele toca os dedos na transparência do vidro, lá fora reina uma vastidão desconhecida, talvez sem vida, talvez viva um Deus lá, ele ri sozinho, no espaço a solidão é tão normal.
Seu pai caminha vagarosamente, sua mãe com seu olhar orgulhoso, com saia comprida, seu egoísmo, seu jeito de ser assim, ele se lembra de como odiava aquela velha, de como tinha dó do fraco pai, sua esposa, ele lembra que tinha carinho, mas sem amor, sem amor a vida passa rápido, sem amor, ele amava o filho, o corpo, sangue, vermes devorando, ele estava sendo devorado, no espaço sideral era anormal não sentir um prazer , uma religiosidade, ele sentia um vazio.
Sua mãe olha com raiva, olha com narcisismo, ele olha, o corpo, sua esposa chora, ele olha o corpo da criança cheio de sangue, ele vai embora, a mala arrumada, ele abandona o lar, não havia mais motivo para continuar com aquela mulher, ele lembrava sua mãe, ele vai embora, seu velho pai, deus decadente.
Um espetáculo reina na mente dele, ele olha a esfera azul perdida na imensidão, na estação espacial tudo é mais ou menos humano, já faz cinco anos, mas a bebida relembra, faz o corpo da criança girar e reaparecer, sua esposa deve estar casada com outro, seu pai deve estar respirando, sua mãe, sua mãe, sem palavras, ele bebe mais um gole e sente algo divino, a morte penetra em seus pensamentos, no espaço pensar é algo a se fazer, o pecado é lembrar, ele faz isso sem peso na consciência, como um verme, a culpa penetra junto, a criança morta, os vermes comendo sua carne.
Sem controle, sem motivo, a essência platônica, onde está o mundo das ideias, o paraíso, as cidades espirituais? Ele só vê estrelas, o cosmo desmistificado, ele olha e vê uma bola de fogo, o sol quer abraçar a eternidade, queima algo dentro dele, ele não estava olhando, a criança sumiu, o corpo, o sangue, os vermes dançam na carcaça de seu primogênito, no espaço havia até um pouco de amor, ele se lembra de sua esposa, ele não a amava. A música toca mais uma vez, não há mais tristeza, há apenas um homem olhando para a negritude do sideral, do que está além dele, como é brega beber sem companhia.

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