terça-feira, 11 de setembro de 2012

ENTRE MOINHOS DE VENTO DO CORAÇÃO.



Ela caminha suavemente pelo calor da tarde, seus cabelos soltos, negros, volumosos como o som da vida, sedosos como um sonho, ela para em frente a biblioteca, ele está lá, pensa ela, ele está lendo seu livro preferido, está lendo Dom Quixote, está viajando entre princesas, , ilhas, Panças, entre moinhos de ventos, ele está pensando “que razão demais é loucura, mas loucura maior é ver o mundo como ele e não como deveria ser”, ele adora citar esse trechos escritos por Cervantes, escritos com tintas invisíveis.
Ela caminha, o sol esquenta corações, queima a pele, ela sonha com futuros intergalácticos, com casamentos no espaço, com vidas no infinito da galáxia, ela quer algo acima do mundano, no fundo ela também acredita em algo cósmico, espiritual, no fundo esse mundo é apenas uma nave passageira, mas a vida não passa disso mesmo.
Fabio olha para o pé de manga em frente a sua casa, ele se lembra das florestas da Ásia, da guerra, do sangue, dos gritos de crianças correndo nuas pelas estradas, de homens fortes com desejos infantis, de munições voando pelos ares, de vidas sendo ceifadas, ele se lembra de tudo que o incomoda, incomoda explodindo em sua memória.
Letícia abre o livro, Sancho Pança é tão humilde e sonhador, ele se ilude com as ilusões de Quixote, ela se apaixonou pelo livro assim como se apaixonou pelo nerd Rafael, pelo egoísta e medíocre Rafael, o autodidata que só pensa nele e em ser superior intelectualmente, mas mesmo assim ele tem um ar que contagia, por baixa de sua epiderme medíocre há uma persona com um jeito humano, assim Letícia o via, assim ela o sentia.
Como vermes passeamos pelas carnes do planeta, mergulhamos no pus do humano, nas fezes da escrotidão, no barulho do tambor que soa na guerra, Fábio passeia com suas lembranças pelas desgraças do mundo até chegar naquele rosto sujo, naquele olhar contemplativo, no jeito simples de Letícia, a mulher que ele conheceu sendo estuprada por dois soldados, mulher que ele salvou das garras de seus inimigos.
Uma música,um alento, Rafael a beija naquela tarde chuvosa, ela havia chorado, a tristeza liquefaz os sentimentos e eles deslizam pela face, agora ela chorava de prazer, nos braços do inescrupulosos estudante que a queria apenas para o seu prazer, sem amor, sem ternura, apenas orgasmos, apenas sem perdão.
Caminhando pela selva os horrores eram encobertos pela vontade de voltar, a casa, o brinquedo, o beijo de boa vinda, o lustre, o carro, a palestra sobre fenomenologia, o jogo, tv, um roído, o caos, lembranças, saudade, corre, ouro, lágrimas, um vendaval, tiros, ele volta com sua arma, com seus amigos, jogo, futebol, tiros, sangue, sexo, tudo volta enquanto ele se lembra agora de Letícia, ele volta a selva, memória, indestrutível, esquecimentos, comendo ela de quatro, Nietzsche, o nobre, explosões, fim da linda, agora ele caminha, biblioteca, autodidata.
Letícia chaga ao Brasil com seu amado, Fábio a ama como a um deus, como uma deusa, como algo acima do carnal, seus momentos floridos, suas angustias devidas, seu cruzeiro por terras tupis, eles estão longe daquilo que tanto sangrou, que tanto machucou, mas foi aqui que ela o abandonou, que o trocou pelo nerd sem coração, por um sonhador sem escrúpulos.
Como uma psicodelia, como um sopro de gigante o tempo nos devora, como uma puta nos excita e vai embora, enrugado pelos anos Fábio caminha pelas estradas sem destinos, Letícia deve estar em algum lugar, ele não sabe, apenas entra, olha, um livro, Dom Quixote, ele sabe que era o livro preferido de Rafael, do novo governador do estado, “razão demais é loucura”, loucura maior é escrever sobre isso, sem medo ou ternura, um tiro, um roído, corpos sangrando, belas bocas mudas, a guerra interna feri mais que o Vietnã.



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