segunda-feira, 24 de setembro de 2012

FORMIGAS


Enquanto caminhava pela grama e sentia o cheiro de odisseia no ar Pedro olhava atentamente para o pé de goiaba, as formigas caminhavam pela árvore como soldados, Pedro adorava mata-las, amontoá-las em um canto e se sentir completamente humano. O fato das formigas se parecerem com soldados o fazia lembrar-se de um homem que não conheceu, ele imagina aquele homem como herói, como um personagem cinematográfico, o seu pai foi soldado na guerra, foi uma formiga caminhando pela árvore irracional do projeto iluminista da razão bélica, como as formigas do pé de goiaba ele foi esmagado pela ignorância de munições que cortaram sua carne e o livraram da vida na grama
O sol batia seu rosto, os seus olhos cheios de vida contemplavam um céu azul, tão azul quanto o paraíso, mas era o inferno que queimava agora em seu peito, ele imaginava os olhos cheios de horror, sangue e desejo de seu pai enquanto caminhava pela mata com sua arma, sua saudade e seu medo. Carlos matou tantas pessoas que acabou se sentindo parte da engrenagem, sentia prazer em matar, mas seu lado simplório, seu lado pacato ainda pulsava em algum lugar de seu corpo, em algum buraco de seu abismo, em alguma parte de sua alma. Enquanto se sujava de sangue e política seu cérebro se repartia em minutos de raiva, dor, culpa e amor, ele era mais uma formiguinha.
Do pé de goiaba Pedro via sua mãe sentada na varanda, seus olhos cansados de tanto ver a realidade, de tanto chorar pela eternidade agora fitavam seu filho, ela via algo de mais bonito, algo de mais íntimo, ela via seu antigo amado, ela via Carlos naquele menino, via o homem que tanto a beijou, que a apertou forte em seus braços, que acariciou seu ventre e depois depositou nele aquele garoto, ela via Carlos, o homem com olhar distante, com visão penetrante e que penetrava seu prazer em suas carnes, ela sentia a presença do ausente, a vida do morto, aquele homem que tanta promessa fez, que a chamou de flor, amor, princesa e deusa, que a fez onça de seu reino animal, que a tornou uma diva em seu plano astral. No pé de goiaba Pedro se sentia um soldado também, sua mãe via o soldado do além, as formigas morriam na guerra, Pedro adorava esmagar formigas na terra.


A carta suja e amarelada mostrava a aflição, como é complicado amar a distância, sentir os beijos por lembranças, entre mato, gritos, sangue, a desgraça sendo perfurada a bala e o amor sendo mapeado na mente demente de um ser na guerra. Carlos escreveu sua última carta meia hora antes de morrer com um tiro no peito, apenas trinta minutos separaram as palavras de afeto e ternura que Carlos escrevia para sua amada de olhos claros e cabelos loiros de sua última respiração, da transpiração de dor. A carta amarelada ficava úmida com as lágrimas de Vanessa, enquanto liquidificava sua saudade em lágrimas salgadas e quentes, Pedro esmagava mais algumas formigas, a guerra vale a pena quando o inimigo não pensa, Carlos pensava, amava, mas era mais uma formiga no pé de goiaba da insanidade

terça-feira, 11 de setembro de 2012

ENTRE MOINHOS DE VENTO DO CORAÇÃO.



Ela caminha suavemente pelo calor da tarde, seus cabelos soltos, negros, volumosos como o som da vida, sedosos como um sonho, ela para em frente a biblioteca, ele está lá, pensa ela, ele está lendo seu livro preferido, está lendo Dom Quixote, está viajando entre princesas, , ilhas, Panças, entre moinhos de ventos, ele está pensando “que razão demais é loucura, mas loucura maior é ver o mundo como ele e não como deveria ser”, ele adora citar esse trechos escritos por Cervantes, escritos com tintas invisíveis.
Ela caminha, o sol esquenta corações, queima a pele, ela sonha com futuros intergalácticos, com casamentos no espaço, com vidas no infinito da galáxia, ela quer algo acima do mundano, no fundo ela também acredita em algo cósmico, espiritual, no fundo esse mundo é apenas uma nave passageira, mas a vida não passa disso mesmo.
Fabio olha para o pé de manga em frente a sua casa, ele se lembra das florestas da Ásia, da guerra, do sangue, dos gritos de crianças correndo nuas pelas estradas, de homens fortes com desejos infantis, de munições voando pelos ares, de vidas sendo ceifadas, ele se lembra de tudo que o incomoda, incomoda explodindo em sua memória.
Letícia abre o livro, Sancho Pança é tão humilde e sonhador, ele se ilude com as ilusões de Quixote, ela se apaixonou pelo livro assim como se apaixonou pelo nerd Rafael, pelo egoísta e medíocre Rafael, o autodidata que só pensa nele e em ser superior intelectualmente, mas mesmo assim ele tem um ar que contagia, por baixa de sua epiderme medíocre há uma persona com um jeito humano, assim Letícia o via, assim ela o sentia.
Como vermes passeamos pelas carnes do planeta, mergulhamos no pus do humano, nas fezes da escrotidão, no barulho do tambor que soa na guerra, Fábio passeia com suas lembranças pelas desgraças do mundo até chegar naquele rosto sujo, naquele olhar contemplativo, no jeito simples de Letícia, a mulher que ele conheceu sendo estuprada por dois soldados, mulher que ele salvou das garras de seus inimigos.
Uma música,um alento, Rafael a beija naquela tarde chuvosa, ela havia chorado, a tristeza liquefaz os sentimentos e eles deslizam pela face, agora ela chorava de prazer, nos braços do inescrupulosos estudante que a queria apenas para o seu prazer, sem amor, sem ternura, apenas orgasmos, apenas sem perdão.
Caminhando pela selva os horrores eram encobertos pela vontade de voltar, a casa, o brinquedo, o beijo de boa vinda, o lustre, o carro, a palestra sobre fenomenologia, o jogo, tv, um roído, o caos, lembranças, saudade, corre, ouro, lágrimas, um vendaval, tiros, ele volta com sua arma, com seus amigos, jogo, futebol, tiros, sangue, sexo, tudo volta enquanto ele se lembra agora de Letícia, ele volta a selva, memória, indestrutível, esquecimentos, comendo ela de quatro, Nietzsche, o nobre, explosões, fim da linda, agora ele caminha, biblioteca, autodidata.
Letícia chaga ao Brasil com seu amado, Fábio a ama como a um deus, como uma deusa, como algo acima do carnal, seus momentos floridos, suas angustias devidas, seu cruzeiro por terras tupis, eles estão longe daquilo que tanto sangrou, que tanto machucou, mas foi aqui que ela o abandonou, que o trocou pelo nerd sem coração, por um sonhador sem escrúpulos.
Como uma psicodelia, como um sopro de gigante o tempo nos devora, como uma puta nos excita e vai embora, enrugado pelos anos Fábio caminha pelas estradas sem destinos, Letícia deve estar em algum lugar, ele não sabe, apenas entra, olha, um livro, Dom Quixote, ele sabe que era o livro preferido de Rafael, do novo governador do estado, “razão demais é loucura”, loucura maior é escrever sobre isso, sem medo ou ternura, um tiro, um roído, corpos sangrando, belas bocas mudas, a guerra interna feri mais que o Vietnã.



segunda-feira, 3 de setembro de 2012

ENTRE O SER, O NADA, O ORAL E O VERBAL.



Acende o cigarro, olhando a fumaça ele pensa em algo, algo tão distante quanto sua infância, talvez fosse mesmo sua infância, enquanto a moça de cabelos cacheados sugava seu pênis ele suspirava de prazer deixando deslizar no ar fumaças excitantes saídas de sua boca em chamas. Com a boca pingando o prazer líquido que jorrou de dentro de seu parceiro a moça caminhava rumo ao banheiro, enquanto esperava pela beldade, Victor imagina como seria o futuro da humanidade, androides, poluição, apocalipses tecnológicos, desventuras do coração, distopias cyberpunk’s, todo o alvorecer mitológico, toda a claustrofobia sexual e freudiana, mas apenas uma lágrima era projetada em sua mente, um choro de dias ardentes, uma lembrança.
Enquanto lembrava-se de dias difíceis veio uma vaga e leve lembrança de uma idade de ouro, de seus cinco anos de idade, ele brincando no quintal, com seus brinquedos representando desenhos animados como o dos thundercats, debaixo do pé de goiaba, entre a grama e as formigas, perigo mortal. Enquanto olhava para a luz do sol seus olhos ardiam, suas lembranças agora eram vistas com nostalgia, com uma claridade solar, ele se lembrava de olhar para sua mão, seus dedos pareciam ter vida própria, pareciam serpentes, cada dedo um ser, como era monstruosa aquela visão, como era alucinante a ideia de que existiam, que estavam ali ocupando espaço, como elas vieram parar ali, deveria existir o nada e não aqueles dedos, aquelas coisas em sua mão!
Com os cabelos presos a moça senta ao lado dele, ele a beija, começa a fazer carinho em sua barriga, vagarosamente desce suas mãos pelos contornos de seu corpo, beijando o pescoço, descendo pelo ventre até chegar na mação de seu desejo, ele passa a língua em um louco desejo, em pouco mais de uns minutos estão em uma vibração excitante, em uma penetração de suas fantasias.
Com os olhos cheios de vida eles olham um para o outro, descansam seus corpos depois de uma noite cheia de tudo que embebeda o carnal, que embala o espiritual jogo da vida, enquanto ela dorme em seus braços ele se lembra  mais uma vez daquele dia ensolarado, de sua mão, de sua visão, ele cheio de pavor, ele cheio de si, num momento estranho tem a noção que a mão e os dedos fazem parte de seu corpo e que ele tem vida, ocupa espaço, absurdamente existe ao invés de ser nada!
O carro percorre a noite, a madrugada tem um ar de saudade, ela ao seu lado sorri de sua expressão encantada, ele está maravilhado com a vida que pulsa nas ruas, na marginalidade do escuro, ela segura sua mão, segura forte, sente algo vibrando entre eles e o mundo, ele olha suas mãos juntas, duas existências, dois seres que existiam e depois tomaram consciência de si, agora duvidam do mundo, se encanto com um sorriso, vão embora sem destino, caminhando rumo ao nada, mas esperando chegar em algum lugar juntos.