Sonhos deslumbrantes, pegadas em areias coloridas, vibrações de fé com igrejas ao domingo, desenhos animados, vidas agitadas, ansiedade contagiante. A música ecoa em meus sentimentos, filmes de aventura, propaganda de brinquedos, pessoas bonitas, otimismo com o futuro, guerra fria, capitalismo, comunismo, orgasmos reprimidos, ingenuidade, caça fantasmas. A alegria existia, entre dores, choro engasgado.
Abro a porta, vejo uma manhã maravilhosa, eu, meu pijama, leite com achocolatado, Tieta do Agreste, constelações, escovo os dentes, crises internacionais, inflação, Sarnei, constituição, tudo girando, passos tímidos, pensamentos descomprometidos, perdidos no espaço, bandas, rock, saimos para passearmos pela cidade, meus pais, eu e a saudade.
O transito em Goiania ainda não era tão infernal, era uma besta desgovernada, mas ainda não era essa catástrofe. Caminhando por entre lembranças cinzas e árvores vivas meu pensamento me guia nas velhas ruas de Goiânia, minha infância, minha falta de ignorância, minha estupidez juvenil, pronto, chegamos, entramos no supermercado próximo a Avenida T7, não me lembro o nome, me lembro que já não existe mais. Dentro dele caminhamos, vejo coisas gostosas, vejo pessoas curiosas, risos, caras feias, me deparo com uma patrola de plástico, branca com detalhes amarelos, assim ela aparece a minha memória, faço um comentário, é véspera de Natal, gostaria de ganhar, tinha apenas cinco anos, ainda acreditava em papai Noel.
Natal, frio de manhã, acordo com um gosto estranho na boca, olho de baixo da cama, uma patrola de plástico branca, a mesma que vi no dia anterior e comentei com meus pais, lá estava ela para minha alegria, para minha diversão, não foi o velhinho barbudo quem trouxe, foram meus pais, o desencantamento do mundo ao estilo weberiano desaguava em meu coração, meu espírito se derretia frente ao calor materialista, amém.
As crianças me olhavam como se eu fosse um herege, um arauto da desgraça, eu sujava seus sonhos limpos, eu dizia que não existia papai Noel, que era tudo produto de um “sisitema”, uma criação, pronto, eu era o anjo malvado, o boca do inferno, as chamas do apocalipse. Foi meu primeiro passo para o ateísmo.
Quando digo que não acredito em magia, macumba, espiritismo, cristianismo, capeta ou Jesus me sinto como a crinaça que não acreditava em papai Noel, as pessoas me olham como as crianças que viram seus sonhos abalados, ir contra o estabelecido pela tradição e fincado nos corações pela fé é uma odisseia. Sair da matrix dá nisso senhor Neo.