segunda-feira, 8 de agosto de 2016

NOSTALGIA



A porta se abre, um reflexo, uma luz, um túnel psicodélico; do macaco quebrando um osso ao escorregador cósmico sideral, uma passagem frenética do atual momento a infância sem chão, flutuante, um mistério. Músicas melosas, bregas, instrumentos barulhentos que silenciam o atual momento, o passado chega cavalgando, ofegante, parece que ele era melhor, mesmo as desgraças eram graças devido a passagem mágica do tempo; eis um mistério nada encantado, apenas saudade nada salgada, não é agua do mar, é agua doce, novela mexicana, que novelo devemos desenrolar para sairmos desse rocambole sentimental.
Músicas, filmes, novelas, aquela foto amarelada, aquele som que lembra desenhos da infância, aquele cheiro que lembra comida dominical da adolescência, a nostalgia nos pega, agarra e sufoca, faz o passado emergir magicamente e nos desnorteia, parece que tudo que era “antes” era melhor do que ‘agora”. Raio, relâmpagos, eis o terremoto sem frenesi, a borbulha sem o fogo, a nostalgia é algo mais emotiva do que racional, mas há uma razão para isso.
A música triste de Carmem Silva dizendo adeus solidão me leva a pensar no piso vermelho, no barracão nos fundos do clube que minha família morava, na grama e nas formigas em frente de casa, de minha mãe cozinhando e ouvindo a música. O sol brilha, domingo, posso sentir o gosto do macarrão apimentado, da Coca-Cola gelada; abertura dos trapalhões, filmes vazios de conteúdo, mas cheios de aventuras. O medo do escuro e a alegria de carros correndo nos desertos apocalípticos da Austrália, Mad Max!
Notícias no jornal, nada românticas, o momento atual é mais cansativo, mais “adulto”, melhor eu diria; não tem a inflação galopante, não tenho a dependência da infância, perdi os sonhos, a utopia deixou de ser castelos em nuvens e passou a ser sociedades políticas igualitárias. As notícias de jornais me entristecem mais agora, como essa do norte de Goiás onde um homem esfaqueia uma mulher e mata dois bebes gêmeos. Não choro, não fico remoendo vinganças, apenas olho para a loucura que é o mundo, palhaços queimando dinheiro como o Curinga, pessoas passando fome, descriminações, o tempo não levou certas coisas como queria o filme nostálgico e conservador de 1939.
A guerra fria acabou, agora a guerra quente islâmica, a deselegância das brigas partidárias, a corrupção saiu dos esgotos e espuma com seus detritos de esgoto pelas ruas burocráticas de partidos, empresas e condomínios fechados. Teremos nostalgia desse tempo? Provavelmente nossos filhos terão, eles se lembrarão dos jogos, desenhos, músicas e filmes cheios de cores e amores superficiais, nós nos lembraremos das desgraças, das futilidades e de alguns bons momentos, talvez dos bebês mortos, mas ai veremos que continuarão acontecer mortes, inflações e corrupções, nossos corações serão como pedras e petrificados não sonharemos, a não ser que nós nos quebremos com machados, aqueles de quebrar o gelo da música astronauta de mármore, essa massa geológica que anestesia e aliena, pedra humana, fora do tempo.