A
dor na sola do pé, turbilhão, caminho com o sol a lamber minha epiderme, a
escorregar seu barulho pela careca se formando em minha cabeça, passos largos,
fortes e determinados, escolho atravessar a rua, escolho ou sou escolhido pela
velocidade do automóvel que vem ao meu encontro, não encontro saída, corro com
a dor na sola do pé, essa dor que existe e me lembra que existo, existo
enquanto dor, enquanto deliberação de correr, enquanto penso, mas penso depois de
existir, depois da dor ou penso em tudo isso e logo existo correndo, doendo?...Escrevo.
A
frustração profissional dentro do embrulho da crise econômica, da falta de
estrutura, contingências da vida, é ser muito egoísta pensar que o mundo gira
ao meu redor, mas fora de mim tudo é “em si’, tudo é gratuidade, matéria sem
sentido, dou sentido ao mundo ao pensar o mundo, minha consciência, esse nada,
esse quase espiritual que dá vida, sentido ao mundo, o mundo é consciência, o
mundo é um nada em minha mente e é tudo que não significa nada fora de minha
mente, e eu fora do mundo sou uma mente sem necessidade, gratuito como tudo que
tem vida, peso e não serve para nada além de estar no mundo, penso sobre isso,
logo sou um ser que sabe que sou e que nada sei além disso.
Eu
me escolho, o mundo não me escolhe, apenas faz de mim o que quer de forma
inconsciente, nasço pobre, branco, filho de pai analfabeto, de mãe sem leitura
ouvindo sertanejo, mas me escolho roqueiro, sambista, leitor de Nietzsche,
Sartre e Victor Hugo, ou fui escolhido pelos acidentes da vida, me esbarrei em
programas de tv que falavam de Shakespeare, vi filmes baseados nos livros de
Hugo, conheci objeto e pessoas que gostavam de filmes e liam Marx, Weber e
poetas gozadores, me escolhi pelas amizades e fui escolhido sem maldade pelo
mundo, o mundo é uma projeção de minha mente que é produto do mundo, idealismo
safado, materialismo vagabundo, fenomenologia da algazarra, muito barulho por
nada, eis que minha consciência toma tudo isso como subjetivamente, condicionado
pela economia, ideologia e sociedade não determinando minhas atitudes,
livremente me escolho enquanto produto sem meio.
Abro
a tela e vejo a polêmica no mundo virtual, jornais, a prova do ENEM, uma
questão sobre feminismo:
Ninguém nasce
mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a
forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da
civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado
que qualificam o feminino. BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980.
Não escolhemos
nascer machos e fêmeas, não escolhemos nascer negros, nem mesmo pobres, mas
escolhemos ser homens, mulheres, somos livres para isso, não é determinação
biológica ou econômica, é projeto livre de ser a partir do que a vida nos foi
legada, biologicamente, sociologicamente, somos livres para escolher a partir das
determinações e determinar que nossas vidas sigam caminhos que não dominamos, pois,
o futuro é como águas entre os dedos. “O essencial é contingência. O que quero
dizer é que, por definição, a existência não é necessidade. Existir é
simplesmente estar presente...”A Náusea. Não necessitamos ser homem ou mulher, somos
livremente projeto e projetamos ser o que queremos ser a partir das
necessidades de nascer macho ou fêmea, eu escolho homem heterossexual, isso não
faz de mim um padrão necessário, apenas mais uma escolha ambulante que irá viver
sem sentido e morrer sem necessidade.
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