segunda-feira, 9 de junho de 2014

CRÔNICA BANAL



A carne quente, a batata frita, o garfo mergulhando no arroz pintado de preto pelo caldo de feijão, os olhos vidrados na comida, enquanto a mulher engolia ferozmente um menino brincava e falava alto ao seu lado, um bebê com um rosto curioso pulava em seu colo, a mulher com a saia estilo pentecostal e de óculos cafona não tinha cara de evangélica, nem de espírita ou ateia, tinha cara de personagem de história em quadrinhos, esdrúxula, enigmática e feia. Bebo uma coca gelada e como um pedaço de frango, os filhos da mulher feia parecem não ter fome, ela come como se não estive em um restaurante, uma pausa, engole rápido e olha, a coca gelada desce com constrangimento, minha vida gela com o olhar petrificante da medusa gulosa e feia.

No serviço paro para refletir sobre as páginas lidas na noite passada, filho da puta, aquele Sartre me incomodou, sempre olhei minha pobreza e coloquei a culpa no sistema, mas ele me diz que existir é escolher-se e que sou livre para traçar meu destino, tracei meu destino pensando no sol, mas cai na lua, bebo um gole de água e o gosto da Coca-Cola vem com a lembrança da mulher de olhos castanho e de fome de ogro. Ela comia como se não importasse com os filhos, eu comia com preguiça, a vida nos devora e nos digere lentamente, somos fezes, produtos em decomposição soltos no estômago desse mundo.

A felicidade sempre é frustrante, queremos projetar algo que não somos em um futuro distante e chamamos isso de felicidade, nunca a felicidade é presente, ela é sempre futura e nas nostalgias sempre pretéritas, “como eu era feliz e não sabia”, “mês que vem serei feliz”, o orgasmo é esquecido muito rápido. Aquela mulher é feliz? Qual mulher? A feia que comia no restaurante em minha frente, claro...Seus filhos tinham um ar de peraltice, até hoje me pergunto se eles não estavam com fome, por que ela não dava comida para eles, será que eram felizes? Assim como eu eles estavam apodrecendo nas entranhas do mundo e serão cuspidos pela boca do universo. Daria uma ótima crônica aquela família, análises sociológicas filosóficas poderiam tê-los como exemplo, prefiro falar do gosto gelado da Coca-Cola e da beleza dos beijos indecentes, mas o olhar da mulher feia estará sempre presente em minhas lembranças sobre um dia banal.

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