Enquanto
o ônibus deslizava pela rua molhada Éden olhava friamente os rostos fleumáticos
das pessoas dentro daquela centopeia, elas respiravam, sonhavam, mas não tinham
brilho no olhar, pareciam seres mecânicos, seres que não tinham pretensão de se
superarem, a loira de blusa rosa tinha um rosto de ressentida, o gordinho de
calça jeans era um marxista frustrado, o motorista tinha um ar de dormente, de
quem não sente mais as dores e os orgasmos da vida, Éden não sofria pela
humanidade, nem sorria, apenas olhava sem muita preocupação para aqueles seres
que nem consciência tinha de suas vidas.
Na
televisão protestos contra o governo, a economia rimava com inflação,
pedofilia, carnificina, nada disso irritava ou emocionava Éden, nem mesmo os
trechos sangrentos do velho testamento, apenas os rostos sem vida do ônibus
ainda causavam alguma coisa na alma cética desse homem com nome de jardim
bíblico, ele adormece e o mundo apaga mais uma luz pessimista.
A
luz do sol brilha sem vergonha, Éden fica constrangido com a alegria em forma
de calor que entra pela janela, às vezes ele fica com vergonha da beleza do
universo, esse monstro negro que guarda algumas surpresas em suas entranhas e é
das entranhas que sai a dúvida visceral e claustrofóbica de nosso herói,
levantar e ir mediocremente trabalhar ou apenas continuar preguiçosamente
deitado? Ele vai trabalhar. Ao primeiro passo fora de casa algo parece estranho
ao jardim humano, ele olha e não acredita, não há seres humanos nas ruas, nos
carros, nas bicicletas e nas janelas das casas, são animais com aspectos
humanos que estão pela cidade. Éden entra no ônibus, quem dirige é uma
tartaruga que diz sonolentamente “bom dia”, bodes com cara de hippies,
serpentes com olhares cafajestes, cachorros existencialistas, pato fumante,
gorila com um jeito afeminado, Éden sentado olha com atenção, sim caro leitor,
com atenção, tudo aquilo parece surreal para ele, sua falta de ânimo ou
interesse na humanidade desaparece junto
da humanidade e vem a tona uma forte e curiosa vontade de viver com essa
animalesca sociedade.
No
serviço nada mudou, no lugar do fofoqueiro e tagarela apareceu um papagaio com camisa
do Vila Nova, a recepcionista com cara de defunto deu lugar há um búfalo, a
chefe de sorriso irônico e gargalhada sádica agora é um hipopótamo e a secretária
delatora e capachão se transformou em uma porquinha rosa de cara
fechada. Éden trabalhou normalmente, mesmo achando tudo muito estranho. De
volta para casa ele para em um prostíbulo e deixa uma ursa marrom fazer sexo
oral com sua boca cheia de saliva selvagem, ele goza ferozmente e adormece
depois no sofá de sua sala, a lua estava linda naquela noite.
Depois
de uma semana algo parece diferente, no serviço não é mais aquele hipopótamo
fêmea quem dá as ordens, agora a porquinha que sempre foi apenas uma secretaria
apagada e de cara de poucas amizades é quem decide o fundamental e até o
trivial. Não demorou muito para que todos os animais da empresa percebessem o espírito
ressentido e de vingança da porquinha, ela maltratava a todos e cuspia veneno
como uma cascavel, sua verborragia era chata, sua boca uma metralhadora de
desaforos e maus tratos, depois de um mês do reinado da suína veio a
conspiração, todos os animais queriam a cabeça da rosinha.
Éden
olhava um texto de um filósofo, o texto tinha sido escrito por um tubarão
fanomenólogo, ele achava incoerente a angustia e a liberdade aquática, a
sociologia do polvo socialista e os textos eróticos do macaco Silvio também
eram interessantes, Éden teve que parar sua leitura depois de um grito
ensurdecedor, logo após o grito um corpo suíno esquartejado é pendurado na
entrada da empresa, era o fim do reinado de Lara, a porca rosa.
A
ação animalesca dos seus colegas colocam um ar de animalização em Éden, ele não ficou chocado
com a morte bruta da porca, ele foi incentivado a colocar para fora todo o seu
potencial que estava adormecido, ao chegar em sua casa ele telefona para
Carlos, um cavalo para quem ele devia dinheiro. Carlos entra tranquilamente na
casa de Éden, bebem cerveja estupidamente gelada e falam de futebol, depois de
uma conversa descontraída o cavalo agiota pergunta ‘Éden você não vai pegar
logo o dinheiro que você falou que iria me dar como pagamento de sua dívida?”
Éden responde que já vai buscar no quarto, Carlos espera com suas patas de
cobiça, mas quando Éden volta não traz consigo dinheiro, mas sim um taco de
madeira, com esse instrumento nosso herói quebra a cabeça de Carlos com golpes
certeiros, o sangue se espalha pela sala, Éden se lembra da porca secretária,
na televisão o jogo de futebol anima a macacada.
O
sol brilha elegantemente, Éden sai para trabalhar pontualmente as oito horas, nas ruas as pessoas conversam,
olhares são trocados, os carros passam apressados, mas uma coisa não está
certa, as pessoas não são mais animais, onde estão as girafas da polícia, os
abutres dos políticos? Todos se foram, apenas a velha e sem graça humanidade
reina agora. No serviço de Éden todos parecem normais, fazem suas tarefas como
se nada tivesse acontecido, Éden sente
falta apenas de uma pessoa, a secretária que havia sido morto quando era uma
porca rosa. Éden pergunta pela colega e recebe a notícia que ela havia sido
morta em casa a pauladas enquanto assistia a um jogo de futebol, seu namorado,
de apelido Tourão, havia ceifado a vida da ressentida secretária. Nessa noite
Éden dormia como um anjo e sonhou com carne de porco assada.