Nos últimos anos vemos o
recrudescimento dos discursos autoritários no Brasil, discursos estes
presos promiscuamente a uma ideologia que visualiza a democracia
representativa burguesa como obstáculo, um muro incomensurável que
limita, ou mesmo impede, ações mais enérgicas em relação à segurança
pública. A imagem cinematográfica ligada a esse tipo de pensamento é a
do filme, quase fascista, Tropa de Elite, com seu personagem
autoritário e carismático Capitão Nascimento. Nessa película, a solução
para os problemas de corrupção, violência e criminalidade são apenas o
cárcere e a pena de morte encoberta pelo manto da legitimada de ações
truculentas, mortíferas e desumanas.
Como não temos um
pensamento único, há também as críticas a esse modo de ver a sociedade e
seus problemas. Fora do maniqueísmo do Bem contra o Mal há
aqueles que olham para esse amplo caleidoscópio da realidade de uma
forma totalizante, não fitando apenas o que está no topo do edifício,
mas todos os andares, o térreo e seus subsolos. Uma análise mais
profunda passa pelo modo de produção da sociedade capitalista, com suas
divisões em classes sociais, dominação e exploração, seguida de perto
pela alienação no trabalho, pelas ideias dominantes da classe dominante
com sua ideologia que inverte a realidade.
Nesse caminho chegamos à
sociedade atual, onde temos o regime de acumulação integral do modo de
produção capitalista, que surge nos anos oitenta tendo como
características a desregulamentação do mundo do trabalho, que alguns
chamam de flexibilização; estado neoliberal, que é um Estado mínimo para
o social, educacional, saúde e máximo para os interesses dos
empresários, banqueiros e demais aliados da burguesia. Ainda como
característica do regime de acumulação integral temos também o
neoimperialismo, que resulta do expansionismo dos países imperialistas,
conhecido também como globalização – é a dominação e expansão dos
tentáculos dos países mais desenvolvidos sobre a periferia levando a
política neoliberal, suas mercadorias e capitais, ideologia e domínio
político e militar.
O Brasil, como a maioria
dos países, acabou adotando a política neoliberal e sendo arrastado
para o regime de acumulação integral depois das crises do capitalismo
mundial nas décadas de setenta e oitenta. Essa política levou a um maior
empobrecimento da população, aumentou as desigualdades sociais, retirou
investimentos sociais e acabou, tragicamente, levando a um aumento da
violência, criminalidade e encarceramento que não resolveu o problema
criminal, pelo contrário, como já dizia Foucault em Vigiar e Punir, depois que se instalou a prisão moderna a criminalidade só aumentou.
É nesse ambiente hostil
com solo fértil para violência que brotam esses vegetais selvagens e
espinhentos de criminalidade acompanhados de discursos de ódio,
linchamentos, barbárie e apoio a ideias fascistas e autoritárias para
combater o crime, a corrupção e o mal-estar da modernidade
“pós-moderna”. Se acompanharmos a história de nossa pátria constataremos
que estamos sob a égide da força, da violência estatal, da desigualdade
socioeconômica desde o início da República, para não falar desde o
início da colonização. Esse país civilizado, mas grávido de barbárie,
gestou em seu ventre conspurcado de autoritarismo as favelas no início
do século XX, em pleno regime militar (1964-1985) viu o crime se
alastrar pelas periferias, deu espaço para o nascimento do narcotráfico;
e ainda no regime militar criou uma das fases de maior desigualdade
social dentro de um dos períodos de maior crescimento econômico
pós-1968, com o milagre econômico. O filme Cidade de Deus é um exemplo disso.
Logo, podemos afirmar
que ditaduras não resolvem o problema, pelo contrário, podem
intensificar a asfixia desse desoxigenado país, porém temos que
concordar que a democracia representativa burguesa neoliberal também não
é a solução, mas parte do foco de violência atual. Temos que lutar por
melhor igualdade social, melhor distribuição de renda, fim da exclusão,
dominação e exploração no mundo do trabalho, por uma polícia mais cidadã
e efetiva, e por investimento em educação que inclua mais pessoas do
que o excludente encarceramento.
Publicado originalmente em https://www.policiacivil.go.gov.br/artigos/autoritarismo-e-odio-nao-sao-remedios-para-os-problemas-neoliberais.html