A
noite cai, o silêncio de mentes maliciosas cede a sede, bebe das
águas barulhentas e noturnas, soturnas, românticas e cheias de
marginalidade. Um ponto final não finda a vida, apenas pausa os
corações, os impulsos, os raciocínios mecânicos, mas depois abre
espaço para outras frases, outras vírgulas, outras palavras. Um
ponto final para o dia, para a luz solar, inicia-se a caminhada dos
vampiros atrás da sensual sensação de prazer, sangue, esperma e
demais aventuras; zumbis também saem das tumbas, drogados, ladrões,
e boêmios a espera de paqueras, solitários a procura de alguém
para ouviram suas histórias .
A
noite abre as portas de palácios, portais de dimensões coloridas
refletindo na escuridão quente dos trópicos, bares cheios de bocas
sedentas; garotas de programa programando a vida em troca de trocados
enquanto homens pulsam prazer. Dentre os profissionais liberais da
noite estão os travestis soltos nas teias do destino não traçado,
entre o feminino, o masculino e o andrógino, entre mundo,
civilização e barbárie; a noite engole a todos, e traveste alguns.
A
procura por sexo é grande, isso vale para a procura por travestis; o
Brasil é um dos países com maior número de procura por vídeos
pornográficos com travestis e transexuais, porém,
contraditoriamente, é também um dos países onde mais se matam
homossexuais e, travestis, principalmente.
O
marginal, o não humano, o não padronizado, o sujo, o que macula a
pureza, que quebra a coluna que sustenta o masculino, o cristão, o
conservador modo de vida. A educação é machista, a sociedade
também, junto disso há um estigma de tudo que vai contra o
estabelecido tradicionalmente, ordenado nas estrelas por deuses
astronautas e consolidado na terra por seres puros, sérios e a favor
da manutenção da ordem.
Se
há tanto interesse na procura de vídeos e na procura dos travestis
nas ruas, sites e casas noturnas, por que também é grande a
intolerância, violência e mortalidade nos ataques a esses humanos
desqualificados, marginalizados e jogados no canto obscuro da
civilização?
A
noite cai, o romantismo que acompanha amantes, amigos e boêmios dá
lugar ao melancólico desfile de desumanização, ceifar vidas
humanas é como pisar em formigas; o marginal, o sujo, o anormal não
é humano para quem olha pelo prisma conservador, olhar esse que
retira a humanidade da esfera da vida e coloca apenas animalizações
em forma de gente. Talvez seja coerente o direito dos animais, pois
os direitos humanos não fazem mais sentido nesse mundo sem
humanidade.