sexta-feira, 8 de julho de 2016

O ANEL DA INVISIBILIDADE E REFLEXÃO ÉTICA



O frio já abandona a nau nacional, um clima seco contagia e resseca as mucosas mais sensíveis. A mudança de clima não corrobora com  a mudança da temperatura política; ataques, revoltas, a guerra fria gerada pela crise econômica e pelos escândalos de corrupção inundam o aquário intolerante de sangue verbal, de ataques da chusma desenfreada e sem papas na língua, dentro desse caldeirão borbulhante surgem algumas ilhas sensatas dentro do caldo fervente; uma dessas ilhas é o tema ÉTICA, palavra estranha que se confunde com moral pelo senso comum.

Numa odisseia homérica pelas opiniões eu perscrutaria: o que fazemos quando ninguém está nos olhando? Difícil responder quando estamos inseridos num mundo ao estilo da obra 1984, onde câmeras nos perseguem o tempo todo, somos observados indiscretamente a todo tempo em nossas vidas sociais e públicas, e, quando estamos no privado ainda expomos nossas intimidades ao pública nas redes sociais. Mesmo assim a indagação é válida, ainda mais quando a teleologia dessa pergunta é a questão ética, ou seja, uma reflexão sobre a moral e nossas ações enquanto seres sociais. Essa pergunta tem como fundamento a velha questão, fazemos o “certo”, o “bem”, o “justo” por sermos essencialmente bons e justos ou fazemos por medo da punição das leis?
Para ilustrar vamos lembrar o mito clássico do anel de Giges exposto no livro II da República de Platão, nesse mito um pastor acha um anel que tinha a propriedade de tornar invisível quem girasse seu engaste, esse pastor acaba seduzindo a mulher do rei e matando-o. Quem se lembrou aqui da saga literária e cinematográfica O Senhor dos Anéis posso dizer que a semelhança não mera coincidência. A pergunta agora pode ser recolocada, o que fazemos quando ninguém está olhando? Se não há nenhum olho a sua espreita, nenhuma câmera, nenhum deus te vigiando do além o que você faz? As tentações são incomensuráveis, inumeráveis são os delitos que evaporam pelos poros do desejo; poder roubar, matar, trair, espionar...As reticências vão ao infinito. Se podemos com a invisibilidade fazer o que queremos, e temos esses momentos de inviabilidade em nossas vidas, o que nos impede de cometer crimes, injustiças e “maldades”, os olhos da lei, de deuses, a educação, a consciência ou uma essência justa?
As opiniões aqui são divididas, um mar vermelho se abre e temos ideias jorrando salinas pelo mar aberto, o sulco não é um abismo ou uma estrada para judeus em busca de terras santas, é apenas uma separação de perspectivas. Há quem diga que somos bons por natureza e não precisamos de leis, punições ou deuses para agirmos bem, outros acham que somos maus, o que nos freia é o medo da punição das leis, sejam elas mundanas ou divinas. Poderia colocar aqui também quem ache que não somos nem bons e nem maus, somos seres complexos condicionados pelo social e pelos instintos, livres tomamos decisões com base em nossa consciência e com vistas as punições cabíveis em determinadas sociedades e culturas. Difícil hoje ainda crer num essencialismo que nos faz bons por natureza ou por mágica através uma alma atemporal, seria limitado também apenas ver o ser humanos como uma besta desenfreada e que age bem apenas por ter uma “espada sobre a cabeça”, como diria Hobbes, em todo caso são posturas firmes e polêmicas difíceis de serem diluídas em espaço comum ou de serem negadas abruptamente.
A dúvida dilacera corações e explode em mil megatons em mentes atômicas, posturas divergentes são tomadas e reflexões acerca do justo, moral, ético e legal são colocadas; uma análise e compreensão é coloca em jogo, a bola rola, eis o mundo ético borbulhando, o pensar sobre ações humanas perfurando com sua contundência a epiderme do social. Precisamos de leis e punições ou apenas de educação e consciência para agirmos bem, ou essas duas opções isoladas não surtem efeito? Independentemente da resposta uma coisa é certa, a tentação é grande, é só lembrar do livro ou da trilogia de filmes O Senhor dos Anéis, como o anel seduzia com seu poder, fazia os olhos brilharem pupilas dilatarem, a invisibilidade que nos tira dos olhos da lei, da coerção pública e moral nos tenta para nos desejos mais reprimidos, instintos esquecidos, cobiças, ganancias. Como ser honesto, agora falando da política, quando se tem a chance de ganhar dinheiro fácil de forma invisível, fora dos olhos dos eleitores e da lei?