Notícias fúteis passeiam pelos meus
olhos, olhos cheios preguiça e fartos de mediocridade, o café quente aquece o
corpo moribundo, mas a alma fria continua a fitar as notícias frívolas e desnecessárias
na tela do computador. A estrada escura, luzes de automóveis aparecem no alto,
depois da curva, depois de uma eternidade de escuridão, a caminhonete velha
continua vagarosamente a passear pela estrada, não há mais luzes de automóveis,
já cruzamos com os automóveis depois da curva, agora há um deserto negro em
nossa frente, a viagem continua, enquanto me lembrava daquele dia meus olhos
passavam rapidamente pelas notícias de fofoca na internet.
As notícias e fofocas cheias de nada
agora abrem espaço para sangue e desgraças, guerras, violência urbana,
estupros, bombas, roubos, assassinatos, assassinato, sim, morte, foi o que
levou o homem para aquela cadeia para onde estava indo a caminhonete comigo e
aquele velho, enquanto olho o sangue em forma de texto minha cabeça viaja de
volta ao dia em que fomos buscar Elton na prisão. A caminhonete já não passeava
mais por um deserto negro, agora era iluminada pela luz e o calor infernal já
aquecia nossos corpos, estávamos na porta da prisão, a demora enchia de
ansiedade meu coração, Elton sai fleumaticamente, cabelos grisalhos, rosto sem
brilho, mas com uma beleza simples ainda presente naquele homem que antes
sorria, que antes chorava e que agora apenas caminha sem expressão, sem vontade.
O café continua quente, Elton já está
em casa, bebo o liquido escuro e passeio com minha má vontade pelas notícias de
internet, as mais bizarras e sanguinárias fazem minha dor aflorar e minha
memória se agitar, refletir e voltar na época em que Elton deixou de sorrir e
de chorar. Sorrir é algo estranho depois de passar por algo que somente pode
ser comparado as pragas do velho testamento.
Desligo o computador, vou para a
cozinha com a xicara sem o café, Elton está lá, bebendo água e pensando em
peixes estelares, mentindo a si mesmo, pois no fundo pensa em Clara, eu também
pensava em Clara todos os dias, depois que ela se foi eu também deixei de
sorrir, mas passei a chorar, Elton nem isso faz mais. Depois de beber a água
Elton me beija e desliza suas mãos fortes sobre meus longos e loiros cabelos,
não fizemos sexo naquela noite, na verdade demoramos semanas para voltar a
fazer, naquela noite dormimos como crianças, crianças tristes, pois pensamos em
Clara a noite inteira.
Quando Elton foi preso ele ainda
tinha o sangue dos dois homens na roupa, ele ainda fedia a matéria orgânica, a
imagem daquele homem pacato e sorridente agora colocado como monstro assustou a
muita gente na pequena cidade de cinco mil habitantes, alguns o considerava até
herói, mas a maioria ficaram chocados com a barbaridade de seus atos, torturar
e enterrar vivo não é ato, humanitário.
Ver uma menina de apenas sete anos
estuprada e morta faz muita gente perder a vontade de viver, Elton perdeu
apenas a humanidade. Acordei com o gosto do café na boca, ainda me lembrava de
algumas notícias toscas da internet, Elton já não estava mais em casa, havia saído
para procurar emprego, fui preparar o desjejum e enjoava com as imagens de
minha filha Clara ensanguentada, melhorei depois que passei a pensar em Elton
cheio de sangue enterrando aqueles dois homens ainda vivos, eu acompanhei toda
a ação sem julgar ou falar, o café quente e as bolachas descem suavemente, a
vida nasce e morre facilmente, é fácil matar quando não se tem mais limite, nem
Deus pode segurar mão fortes e decididas como as de Elton, bolachas de
chocolate são deliciosas no café da manhã.