Eu olhava sem perdão para aqueles corpos queimados de sol,
mulheres, crianças, homens, todos desalmados pelo calor, todos desfigurados
pela miséria, água gelada, óculos, brinquedos, todo tipo de coisas baratas
vendidas nos semáforos e eles ali sendo devorados pelo sol, fico dentro do
carro com o ar condicionado ligado, na frescura do meu automóvel olho preguiçosamente
para a massa humana fora do veículo, olhar sem meia culpa, não sou personagem
do Dostoevsky, abro minha mente e dentro dela povoa seres bestiais, personagens
naturalistas, são aqueles seres ali queimados pelo sol, o câncer de pele deve
ser a próxima etapa, a menina de calça jeans e blusa branca já foi bonita um
dia!
A música toca, a pintura se torna uma borra, meus olhos não
penetram na sensibilidade, não fico emocionado, bebo mais um gole, o dia foi
indigesto, digiro, dirijo, viro e me deito nos braços da indiferença, a música parece
falar de algo como amor, me lembro daquelas mulheres na noite passada, se
prostituindo enquanto eu comia batatas fritas, engolindo esperma enquanto o mundo
engolia o orgulho e continuava a girar sobre si mesmo, em si a verdade não é
verdadeira, eu verdadeiramente duvido de tudo e tudo isso não me cheira bem, a
verdade é relativa, as pessoas queimadas pelo sol trabalhando para continuar
respirando, elas não sonham, não amam, não refletem sobre sua existência? Elas
são humanas, felizes, quem disse que homem que corria sem deuses, medicina e
filosofia para dentro de uma caverna não era feliz? Muitas perguntas, poucas
respostas, a música continua, amor, ela fala de amor.
Amor, ouço essa palavra saindo da boca de uma mulher de
trinta anos, vestido colado no corpo, não sei seu nome, ela senta com
sensualidade sobre meu pênis, me agarro em seus seios, a chamo por nomes indecentes,
por fim ela fuma um cigarro e eu assisto televisão, não gosto de mulheres que
fumam, me lembro dos trabalhadores do semáforo, já fui trabalhador assim, hoje
curto a preguiça, tenho preguiça até intelectual, mas ainda consigo ler frases
de jornais, as notícias não me excitam, a boca dela sugando meu membro me
excita, o êxtase é total, sou tão vazio, me falta algo, como para preencher o
vazio, a comida não é tão eficaz.
A música se repete, dentro do meu carro ouço a música que
fala de amor, me lembro de que já chorei olhando um catador de papel
esquelético andando na chuva, era adolescente, cheio de paixão política, nunca
chorei por uma mulher, aquela prostitua já chorou por mim, ouço a música com um
pouco mais de atenção, o vazio toma conta de mim, resolvo ir ao encontro de uma
pessoa, não amo, não mais, mas não me assustaria se amasse de novo, o carro
dança pelas ruas, imagens aprecem em minha mente, a música fala de amor.
Se um meteoro caísse agora iríamos todos morrer, um meteoro
bem grande é claro, faríamos falta para o universo? Duvido, aqueles políticos
corruptos, essas meninas de mini saias, traficantes, trabalhadores noturnos,
filósofos, seríamos como os dinossauros agora, nada! Continuo meu caminho,
ontem falei com ela, a beijei, depois de cinco anos reatamos, ainda não a amo,
tenho algo grande em mim, o vazio diminuiu, a música que fala de amor já me
toca com um pouco mais de ênfase, os trabalhadores do semáforo continuam
miseráveis, o ar está ligado, meus vidros fechados, o sinal fica verde, já não
penso mais neles, a música fala de amor, de amor, de amor...