domingo, 26 de junho de 2011

A FOLHA EM BRANCO


A folha em branco, idéias em branco, o dilúvio de sentimentos, a avalanche de ressentimentos, paranóia social, filosofia do nada, questão existencial. Toca o telefone, o filme me faz pensar que o telefone tocando era o meu, o som, a fala, o filme, uma tela cheia de coisas, a folha em branco, penso no filme, penso no nada, penso na falta que a angustia me faz, mas ela volta, a náusea volta, escrevo coisas sem parar.
As flores vermelhas, beijo suavemente o seu rosto em desejo, alucinação, a folha branca em minha frente, a música do filme em meu coração, o nada perto de meus sentimentos, Deus desceu da cruz e morreu novamente, filho do absurdo.
O passado me devora com sua boca cheia de dentes, tritura minha carne, bebe meu sangue, goza em cima de cadáveres, o passado é um punk em busca de cerveja. O tempo corre lá fora, o vento frio persegue esse fantasma, a memória e a nostalgia ficam impregnadas com esse passado violento que vem como um vendaval e entra pelos poros e sangra em meu solitário ser. A folha em branco, não escrevo, sinto o cheiro do passado, o presente é um amontoado sem sentido, ele não dialoga comigo.
Um leve e sacana soco no estômago de minha consciência, pensar é uma tortura, bruta, louca, a folha em branco grita silenciosamente em minha frente, ela quer ser preenchida, quer amor, sexo, porra, terror, laranjeiras, belas cenas, subterfúgios para a existência, estética. O branco da folha é uma tortura, ele mostra minha incompetência. O telefone toca, agora é o meu, atendo, as palavras surgem em minha boca com muita rapidez, eu não escrevo.
Ela surge com seu vestido vermelho, sua boca carnuda, seu olhar sem ânsia ou desespero, sou alérgico ao amor, o desejo me apaixona, tenho tesão nessas eróticas recordações. Explosões, guerras, sangue, crianças sendo mortas, pus, raiva, o amor surge como um estranho nesse contexto são idéias perdidas em emoções, não escrevo, quero escrever, gritar, quero sentir ódio, amor, quero viver. A folha em branco é a prova de minha inércia nesse mundo.
Uma neblina, um ambiente noir, a chuva vem logo após meus devaneios, os corpos dos mortos brotam em minha memória, um beijo, prazer, a noite em frente a essa folha branca vejo como ser um humano me leve ao desconforto. Escrevo, preencho as lacunas de minha vida com fantasias, as fantasias são realidades perdidas em meu peito. O branco da folha dá espaço a orgias, tiros, dúvidas, um mundo inteiro preso em pedaços, palavras, frases, o ponto final é uma parada, um tempo entre a vida e o fim da existência.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O ESCRITOR


Tento escrever, como é difícil, a chuva lá fora me trás recordações, me lembro de minha infância, de um bairro pobre, minha mãe e lama, tudo passa rápido em meu cérebro, passageiro, a sensação de calma é contagiante, isso não faz com que eu tenha êxito, escrever é um ato de tortura, amor, desejo, revelação, magia do inconsciente, razão do intelecto, matemática sem número, tesão, escrever é contar, narrar, dar beleza, derivar, descrever o horror, falar da dor, desabafar, não é fácil.

Ser escritor é passar por um mundo cheio de palavras, significados, dúvidas, sempre duvido, a certeza já foi parta o espaço, o mundo é interpretado, todo contexto é um texto, é lido, escrever é ensurdecer com o silêncio, dar voz aos mudos, luz que cega, noite que encanta, mistério.

Sou um homem a procura de uma ideia, escrever me dá medo, tenho que ter algo a dizer, a vida e sua falta de sentido é o palco onde improviso, viver é atuar, sou um ator do improvável, as desgraças e alegrias povoam o fantasmagórico labirinto de minha mente, tenho que falar sobre ele, certamente será algo inevitável.

Rafael também é escritor, ele tem cerca de qurenta anos, homem sério e de princípios, em uma viagem ao interior de Goiás se depara com a solidão, ele está preso consigo mesmo, olhar para o mundo e enchergar somente um desencantamento é algo próprio de nossa sociedade, ele está entre outras pessoas, mas se sente só, isolado, falta algo nele, ele não sabe o que é, perdido em pensamentos, perplexo com sua condição, sua existência toma um novo sentido, talvez a falta de sentido tome conta de seu ser.

Procurar respostas é uma coisa , tê-las já não faz parte da vida de Rafael, ele não se preocupa, não se angustia com a falta de resposta, já se angustia bastante com o fato de estar vivo. Nadar nas águas da esperança é coisa de cristão, ele é um homem que não se prende a religiões, é um pensador, um espírito livre, não nego o valor das instituições, apenas tem um olhar crítico sobre elas, para ele se Deus existe ele é um fanfarrão, de onde veio, o que faz, antes dele o que existia? Chega de tanto questionar as coisas divinas.

Quarenta anos e ainda há muito o que aprender, somos arrogantes, achamos que por termos experiências temos todo o conhecimento sobre a vida, isso Rafael viu que não é verdade, sua soberba caiu, foi por água a baixo.

Catarina, menina de doze anos, corpinho de sereia, voz de criança, jeito de mulher, bruxa, enfeitiça quem olha para ela, seu olhar cheio de malícia não engana, já viveu muita coisa, foi seduzida pelo padrasto, perdeu a virgindade com dez anos, morou na rua, hoje trabalha e mora no hotel onde está hospedado Rafael, nosso escritor. Uma saida rápida para tomar um ar fresco e dar uma pausa nos escritos, ele se depara com aquela menina bebendo suco, ele pede um para ele e senta-se próximo a ela, está feita a promessa, o destino encomendado de dois seres prontos para serem lançados na história.

Outro dia, mais um dia de solidão e trabalho, o escritor escuta um barulho, alguém bate na porta, é ela, Catarina, ela pergunta se pode entrar, entra, tem uma desculpa para estar ali, veio lhe oferecer pulseiras, ele olha, não quer nenhuma, conversa com ela, ela é sedutora apesar da pouca idade, ele reluta, a acha bonita, não quer se envolver, tem consciência do perigo, mas a beleza é cruel, nos excita, faz perder o juizo, ele tenta, conseguir é outra história.

Resistir é uma coisa estranha, geralmente temos que resistir a tentações, no fundo não queremos, desejamos elas, por que relutar e nos reprimir? A tal da moral é uma das culpadas, Rafael não tem perfil de um moralista, perde a cabeça e beija loucamente Catarina, seus lábio doces, sua pele macia, ele tira a roupa da menina, seios pequenos e duros, coxas bem torneadas, ele também é simpático, ainda tem um corpo atraente, eles se embriagam de prazer, chupam do fruto proibido, aquela vagina com o odor de quero mais, aquele pênis pronto a levá-la ao paraíso, tudo em um tom de sedução, gemidos, estão sedentos por sexo, o orgasmo brinda com a noite essa união, paixão carnal, fogo no sertão.

Ingenuidade é coisa cara, ele deveria saber que certas coisas não são de graça, a menina com cara de anjo chantagia o nosso escritor, ele não quer pagar o que a moça pede, ela o denuncia, vergonha, polícia, delegacia, lá está o nosso desgraçado, por uma noite com a princesa vai parar no inferno, sua vida vai se detruir, ele é peça no xadrez do azar, três anos atrás das grades, isso é um bom preço a pagar.

Escrever sobre Rafael não me deixa contente, eu poderia escrever sobre minha infância, sobre meus problemas, deveria falar sobre a crise do socialismo, aquecimento global, prostitutas, sei lá, a vida é vasta e eu me preocupo em falar dele, faz tempo que não o vejo, depois que saiu da prisão ficou estranho.

Rafael volta até aquela cidade, a menina cresceu, Catarina agora tem quinze anos, eles se reencontram, ele diz a ela que quer repetir a doze, que se apaixonou por ela, a ingenuidade está presente em todos os corações, ela acredita, vão até um motel, enquanto eles transam ele a enforca, sua agonia é imensa, ela não consegue se libertar das mãos em fúria, sua vida é ceifado por um escritor raivoso.

Eu poderia escrever um poema, adoro rimar coisas, mas nesse momento não tenho ideias, elas fogem de mim como o diabo da cruz, maldição, bebo uma cerveja, saio e vou dar uma volta, vejo uma adolescente bonita, ela podia ser a Catarina se estivesse viva, tenho liberdade, estou andando pelas ruas, não consigo escrever, Rafael na prisão já publicou sete livros, sua vida é destinada a isso agora.

Em um dos seus livrros Rafael descreve um assassinato, um homem mais velho mata uma jovem enforcada, parece com sua própria história, depois de matar o homem se masturba e goza em cima do cadáver, aberração de uma mente tarada, tesão esdrúxulo, compreendo esse ser, Rafael provavelmente está descrevendo seus atos naquela noite, ele sabe manejar as frases, é um arquiteto das palavras.











quinta-feira, 2 de junho de 2011

CONGELANDO NO INFERNO


Toca aquela velha e nostálgica canção, emoção, vejo o passado passar como um raio, a lentidão de sentimentos, a velocidade de ressentimentos, as raivas brotam do chão, o beijo, a lembrança, tudo se mistura com nada, a água límpida da corrupção, os vermes, o ponto final sem noção, as reticências tomam contam de todo o meu raciocínio.
O amor, a dor, a indiscreta dúvida sobre a vida, a inocência após a germinação orgânica de idéias transcendentais, materiais. Olho pela janela, me vejo criança, adolescência e morte , olho para o futuro, eterno retorno do mesmo sem repetição, inédito voltar, ir ao encontro do acaso, destino sem programação. A velha canção toca, lembranças voltam, olho pela janela.
Filmes antigos, hábitos, surpresas, ambições, ansiedade, tudo é lembrando, sinto novamente aquele momento, você chegando, o raio de luz cobrindo a escuridão, o eclipse de uma estação. Olho para o passado, me desconheço, mudei e continuo o mesmo, mais da mesma inventiva imaginação, a dúvida penetra em minha oração atéia. Te amo como quem ama viver e odeia não morrer subitamente após a decepção.
A velha canção toca, êxtase, me sinto elétrico, bom perfume, cemitério, calabouço da verdade, mentiras suaves, assim é a vida, o amor, assim é o texto que escrevo sem vergonha, perdão ou qualquer coisa que rime com emoção. Minto, tesão estaria próximo ao texto.
A canção contemplativa, progressiva, me sinto em uma nave espacial caminhando rumo a eternidade galáctica, você não era uma ótima pessoa, mas sua morte me fez uma enorme ferida. Olho para a lua, a noite cobre esse momento que escrevo, não faz frio, congelo nesse inferno.