quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Polícia e Direitos Humanos

   Seja nos meios de comunicação, nas escolas, bares ou em reuniões familiares e confraternização de amigos, sempre que se fala em direitos humanos há uma cortante separação entre esses direitos e a instituição (ou instituições?) Policial; como numa guerra fria maniqueísta entre o bem e o mal vemos a polícia ou os direitos humanos ocuparem lados opostos, ora do lado bom, ora do lado negro da força, como no filme Star Wars. Se fôssemos  fazer uma genealogia aqui dos direitos que versam sobre a dignidade humana teríamos que ir além de minhas competências e do espaço aqui cedido para esse texto, mas podemos afirmar com uma certeza sem soberba que é a partir da segunda guerra mundial que se toma corpo os "direitos do homem", como gosta de nomear o filósofo Norberto Bobbio, logo, vemos que é influenciado pelo contexto traumático da experiência totalitária nazifascista, do poder triturador do Estado sobre inimigos políticos, minorias étnicas etc. Dentro desse círculo temporal vemos um papel de vilania da instituição policial, assim como ela terá aqui no Brasil durante o Regime Militar, papel infame esse que irá influenciar de certa maneira o olhar pejorativo sobre a instituição e será enfatizado quando se colocar a polícia dentro de uma discussão sobre direitos humanos.
    É claro que os direitos humanos não se resumem a questão policial, são direitos que contemplam amplas e variadas características como, liberdade política, participação popular, respeito a crenças religiosas, ideológicas e filosóficas, acesso a serviços sociais básicos como educação, saúde e transporte público de qualidade. Como foi dito, é bastante amplo e não caberia apenas em poucas linhas. Além desses citados nesse parágrafo há aqueles ligados a não violência, é o caso do crime de tortura, nesse caso específico vemos muitos ataques a polícia devido a ação de alguns grupos isolados que mesmo hoje, em pleno século XXI, ainda o praticam, colocando a credibilidade policial em xeque. A tortura não é isolada, ela participa de um sistema mais amplo de violência e descaso com a pessoa humana, dentro desse diapasão a violência policial não se resume a instituição, pois ela reflete, dialoga e é condicionada por um sistema cultural que venera a violência, podemos ver isso claro quando jornalistas, políticos, intelectuais e vários segmentos da sociedade defendem o espancamento de criminosos pela polícia e em linchamentos, dessa forma o problema da violência não se limita a polícia, é estrutural e percorre todas as camadas da sociedade.
    Independentemente da violência ser algo cultural em nosso país ela deve ser combatida, isso inclui, óbvio e ululante, a violência policial, é inadmissível e impossível a construção de uma nação democrática, igualitária e fraterna com esse câncer em nosso organismo pronto a se espalhar patologicamente pelas instituições políticas, religiosas e familiares. Se não conseguimos combater a violência dessa minoria policial sem combater a violência generalizada em nossa sociedade, não podemos também combater a violência isoladamente, ela não está desconectada do restante da vida política, econômica, cultural e social, ela está interligada ao todo e esse a violência.
Como negar, por exemplo, que problemas econômicos, como as crises, não estão ligadas ao aumento de violência, a má distribuição de renda, a falta de estrutura como escolas, transporte, a falta de oportunidade educacional e de emprego, todos estão ligados entre si e geram violência, todos que padecem de transporte, de saúde, de educação são violentados, muitos desses marginalizados socioeconômicos, acabam marginalizados juridicamente engrossando as fileiras da criminalidade de assaltantes, traficantes, latrocidas e outros. Não estou aqui defendendo os criminosos colocando os mesmo na gaveta da ingenuidade, porém seria leviano não tocar na ferida da desigualdade, da exploração e do descaso com a maioria das pessoas pobres, moradoras da periferia, carentes do mínimo de dignidade e relacionar todo esse mar de informação com a questão da violência.
    Vivemos em um mundo onde as promessas da modernidade não foram atendidas, não vemos a emancipação humana pela educação, a fome ainda é uma praga, a pobreza não para de crescer e o racionalismo, que iria nos guiar com seu "iluminismo", foi deturpado e transformado em instrumento apenas de dominação, administração e ganho de capital transformando o ser humano em "meio", sendo que ele deveria ser um "fim". O cinema de ficção científica é rico nessa análise com películas pessimistas que mostram um mundo distópico dominando por grandes corporações financeiras, por Estados Leviatãs, por máquinas, futuro sombrio de dominação, desumanização, pobreza, violência, desmatamento, agressão a natureza. Esses filmes são exemplares ao mostrarem o racionalismo instrumental e sua relação contrária aos direitos humanos. Não seria esses direitos apenas ficção já que não conseguimos colocar os mesmo como protagonistas? Não seria preciso uma mudança mais estrutural, vontade política, participação popular para transformamos essa realidade? A polícia não poderia ser um agente importante dentro dessa mudança?
    Depois de tudo que foi falado, mesmo que de forma panorâmica, devemos voltar a refletir sobre a polícia. Ela enquanto instituição também não está isolada do todo social, ela participa do jogo, se falamos que a violência está relacionada a estrutura, ao sistema e a cultura podemos dizer também que os direitos humanos, educação e luta pela consolidação desses direitos estão mergulhados nesse caldeirão, logo, podemos afirmar que a polícia não pode se isentar nesse processo. De uma forma bem genérica o trabalho policial já é um trabalho de direitos humanos, prevenir e combater a criminalidade é trazer segurança e dignidade, mas podemos ir além, delegacias especializadas como as de crime contra idosos, mulheres e crianças contemplam lutas históricas defendidas pelos direitos humanos, sem contar que pela conscientização, trabalho em conjunta com a comunidade, educadores, intelectuais, meios de comunicação, iniciativa privada, artistas, podemos construir uma ação policial menos violenta, mais cidadã e ligada a transformação social. Não há democracia sem direitos humanos e não há democracia e direitos humanos sem participação da polícia. Direitos humanos não podem ser contrários a ação policial e a instituição policial deve ser promotora dos direitos humanos, para isso devemos diminuir as desigualdades sociais, aumentar a participação política dos cidadãos, combater a violência e integrar a polícia nessa luta e a sociedade na ajuda a polícia por uma nação mais igualitária, fraterna e com uma racionalidade mais humanista e menos instrumental.